Corpo e mente: como tratar os sintomas da síndrome pós-Covid

As sequelas do coronavírus podem afetar a qualidade de vida e até ameaçar a vida. Entenda por que, mesmo após a cura, nenhum mal-estar deve ser menosprezado

Cérebro | Eduardo Pignata
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O Brasil tem hoje mais de 11 milhões de pessoas recuperadas da Covid-19 e até momento, é justo se preocupar com uma possível epidemia subjacente e mais silenciosa. Estamos falando da síndrome pós-Covid. De acordo com pesquisas de cientistas, até 80% dos curados apresentam ao menos um sintoma até quatro meses depois do fim da infecção.

Casos graves da doença, que exigiram internação e UTI, tendem a abalar mais o organismo no longo prazo. Mas a verdade é que os episódios leves também podem deixar marcas prolongadas.

Uma revisão sistemática e meta-análise, divulgada em janeiro por pesquisadores norte-americanos (ainda em revisão por outros cientistas), lista 50 queixas das mais variadas. Na mesma linha, uma revisão de literatura publicada na Nature dá a dimensão do problema em oito âmbitos, da pele ao cérebro.

Da pele ao cérebro, a Covid-19 repercute no corpo humano (Ilustração: Eduardo Pignata) 

“Temos certeza que a infecção está longe de ser apenas uma questão localizada e passageira. Há repercussões prolongadas em vários órgãos”, comenta a fisiatra Linamara Rizzo Battistella, professora dada Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

De maneira geral, as principais manifestações do pós-Covid relatados até agora são:

Fadiga

Falta de ar

Dores de cabeça

Dores musculares

Queda de cabelo

Perda de paladar e olfato (temporária ou duradoura)

Dor no peito

Tontura

Tromboses

Palpitações

Depressão e ansiedade

Dificuldades de linguagem, raciocínio e memória

Mal-estar e queixas como dores de cabeça e perda de olfato tendem a se resolver sozinhos.  Agora, se o incômodo é intenso, o ideal é procurar atendimento médico. Sim, dá para conter os danos e intervir antes que algo pior aconteça.

Para ter ideia, um dos braços da iniciativa Coalizão Covid-19 Brasil acompanhou cerca de mil indivíduos internados e concluiu que até 17% tiveram que ser hospitalizados novamente tempos depois – e 7% morreram até seis meses depois da alta. Os dados são preliminares, e ainda não foram publicados em periódicos científicos.

A ressaca pós-combate

Para se livrar do coronavírus, o sistema imunológico desencadeia um processo inflamatório, que se torna exacerbado demais em uma parcela de pessoas. 

São as vítimas da chamada tempestade inflamatória, fenômeno que envolve a liberação de substâncias, como citocinas, com potencial para lesionar órgãos e tecidos.

Nos pulmões, onde a batalha contra o Sars-CoV-2 é mais intensa, restam fibroses (uma espécie de cicatriz) que atrapalham a respiração. “Vem daí parte do cansaço. Alguns pacientes não conseguem realizar tarefas simples, como escovar os dentes ou tomar um copo d’água”, conta Marisa Regenga, fisioterapeuta e gerente de reabilitação do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo/SP.

A fadiga e a dificuldade de fazer dificuldade de fazer movimentos simples são alguns dos problemas mais comuns nos estudos. E não é só do pulmão a culpa. “As citocinas atacam os músculos, gerando dores e a sensação de fraqueza”, continua Marisa. O próprio sistema nervoso, que comanda o tecido muscular, pode ser afetado pela inflamação ou pelo próprio vírus, o que só piora a situação.

Para os internados, que tendem a sofrer uma perda muscular significativa, surgem desafios maiores. A diminuição da massa magra afeta a mobilidade e, ainda por cima, atrapalha o retorno do sangue dos membros inferiores para o coração – ora, são os músculos que o bombeiam para cima. Isso potencializa o cansaço e eleva a probabilidade de trombose, entre outras coisas.

Falando em circulação, os vasos sanguíneos ficam abalados após a tempestade inflamatória. Até por isso, o risco de entupimentos que levam ao infarto e ao AVC aumenta. Não à toa, os profissionais às vereceitam anticoagulantes por algum tempo.

Como recuperar o fôlego

O ideal é retomar as atividades aos poucos e, de preferência, com acompanhamento. Se sentir cansado faz parte da recuperação da Covid-19, mas o alerta deve soar se o desconforto for muito intenso. Queixas como náusea, palpitações, desmaios e tontura indicam que o pulmão não está funcionando adequadamente.

Programas de reabilitação cardiovascular são os mais adequados para atender os sobreviventes da Covid-19, pois treinam os músculos ao mesmo tempo em que renovam a capacidade respiratória. O olhar do expert em pulmão e coração é importante porque, não raro, há pequenos déficits que passam despercebidos aos olhos destreinados.

“Limitações podem ser subvalorizadas por profissionais não especializados, porque o indivíduo parece responder ao exercício, já que sua capacidade motora nem sempre foi afetada”, aponta Marisa.

A fisioterapeuta alerta para o perigo de uma situação desse tipo, que sobrecarrega o organismo: “Ele pode apresentar de cara um quadro grave, como uma arritmia por baixa oxigenação”.

Além da reabilitação específica, outras medidas podem ser necessárias. “Às vezes, a pessoa fica dependente de oxigênio por semanas ou meses para compensar o comprometimento pulmonar”, aponta o intensivista Luciano Cesar Azevedo, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Cuide da mente depois da Covid-19 (em todos os sentidos)

O cérebro é um dos órgãos mais sensíveis ao excesso de inflamações pelo corpo e à queda da oxigenação. Um trabalho feito no Incor com 185 pessoas que contraíram o coronavírus mostrou que 80% manifestavam algum comprometimento cognitivo, como dificuldade de atenção e raciocínio, perda de memória e por aí vai.

Linamara vê esse o quadro em ao menos um terço dos sobreviventes que atende no Hospital das Clínicas da USP. De novo, a recomendação é procurar orientação.

“Se, depois da doença, você ficar com sonolência excessiva, deve passar por uma avaliação. O mesmo vale se ficar muito desatento, esquecendo as coisas ou trocando palavras”, aponta a neuropsicóloga Lívia Stocco Sanches Valentin, do Incor, autora do trabalho e criadora do MentalPlus, aplicativo que faz essa análise de maneira rápida e promove a reabilitação por meio de jogos.

O app já existia, mas está passando por uma repaginação para incluir um programa exclusivo para a síndrome pós-Covid, com o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS). Enquanto a solução tecnológica não chega, uma alternativa seria fazer o exame neuropsicológico, ou seja, uma bateria de questionários e testes físicos.

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