A recomendação de adiar uma eventual gestação não é algo particularmente novo nas histórias das epidemias e das pandemias recentes. Nas últimas décadas, orientações parecidas foram dadas por autoridades em saúde pública diante das emergências da aids (anos 1980 e 1990), da gripe H1N1 (2009) e do zika (2016).
Mas a questão levanta preocupações éticas relevantes. Um artigo publicado na revista The New England Journal of Medicine e assinado por três especialistas em pediatria, obstetrícia e bioética dos Estados Unidos questiona fortemente políticas públicas do tipo.
"O exercício da autoridade pública em uma área tão profundamente pessoal e privada como a decisão sobre se e quando ter um filho requer forte justificativa, dadas as muitas questões éticas que levanta. Existem várias áreas potenciais de preocupação. O primeiro está relacionado à autonomia reprodutiva".
As pesquisadoras também lembram que historicamente orientações e para postergar a gestação representaram "violações éticas flagrantes".
"Outra preocupação é o potencial de discriminação. Mesmo políticas objetivamente neutras podem se traduzir em experiências diferentes de acordo com a raça, grupo étnico ou classe social. O conselho público que desencoraja a gravidez também pode transferir indevidamente a responsabilidade pela gravidez somente para os pais, isentando as instituições que são responsáveis por mitigar os danos e têm o poder de fazê-lo", concluem.
Até o momento, recomendações de adiar os planos de ser mãe e pai não parecem ter sido oficialmente adotadas por outros países — no máximo, as autoridades sugerem que o casal converse com especialistas e avalie os riscos e benefícios antes de tomar qualquer decisão.
Fernandes entende que o tema é controverso e não há uma resposta única sobre ele. "Diferentemente do que aconteceu na aids e na zika, agora ainda não está claro o risco de transmissão de covid-19 pela placenta, da gestante para o feto", compara.
"Talvez a abordagem pudesse ser mais no sentido de oferecer informações ao casal sobre riscos e benefícios, e não apenas pedir para postergar os planos de gravidez", completa o infectologista.
Já Dal Ben acredita que é preciso ver caso a caso. "Nessas horas, precisamos pensar em vários fatores. Se a mulher estiver com 38, 40 anos, quase no fim da fase reprodutiva, uma recomendação dessas não faz sentido. Mas, caso ela tenha entre 20 e 30 anos, talvez pesar prós e contras e aguardar uns dois anos para ter uma gravidez mais tranquila não seja um problema tão grande assim", pensa.