Códigos do crime: símbolos associados a facções causaram a morte de 3 adolescentes

Em dezembro de 2024, um turista de São Paulo, de 16 anos, foi morto após o celular dele ser tomado e verificado por membros de um grupo criminoso.

Adolescentes mortos no Ceará após serem confundidos com membros de facção criminosa | Foto: Reprodução
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Um simples "risquinho" na sobrancelha ou um gesto com as mãos em uma foto. Pequenos detalhes do cotidiano custaram a vida de, pelo menos, três adolescentes no Ceará. Eles foram confundidos com membros de facções criminosas por símbolos que, indevidamente, foram apropriados por esses grupos.

Em 18 de dezembro, Henrique Marques de Jesus, de 16 anos, foi encontrado morto na Vila de Jericoacoara, enquanto estava em viagem com seu pai, Danilo Martins. Membros de uma facção criminosa acreditaram que ele fazia parte de um grupo rival após verem fotos no celular do adolescente.

"As investigações apontam, até o momento, que os criminosos tiveram acesso ao telefone da vítima e, ao verificarem conversas e também algumas fotos, acreditaram que a vítima teria algum tipo de ligação ou era simpatizante de um grupo criminoso rival de origem paulista. Então, essa teria sido a motivação do crime", disse Márcio Gutiérrez, delegado geral da Polícia Civil do Ceará.

Antes de ser morto em Jericoacoara, turista fez fotos com gestos sem saber que era símbolo de uma facção criminosa atuante no Ceará. — Foto: Arquivo pessoal 

Henrique tirou fotos em que destacava três dedos das mãos (polegar, indicador e dedo médio). No universo do crime, o número "três" é associado a uma facção cearense ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC), enquanto o número "dois" é ligado ao Comando Vermelho. O pai de Henrique afirmou que o filho desconhecia o significado do símbolo. 

"Isso [símbolo que Henrique fez com as mãos nas fotos] é normal onde moramos. O moleque tinha 16 anos. Deveriam ter orientado: 'Aqui não pode fazer esse símbolo, é de outra facção', falado isso para ele ou qualquer outra pessoa que não tem ciência. Não fazer uma crueldade dessas, achando que um moleque de 16 anos era envolvido com facção", disse Danilo.

Apropriação dos símbolos

O professor Luiz Fábio Paiva, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará, comentou sobre como as facções criminosas têm apropriado símbolos do cotidiano da sociedade para alimentar seu imaginário. 

“O que a gente tem observado aqui no Ceará é que esses símbolos têm sido usados para afirmação. A facção tem uma determinada simbologia, então ela usa determinados símbolos para afirmação desse lugar, dessa pertença ao grupo”, disse o pesquisador.

Luiz Fábio explicou que, muitas vezes, as pessoas sequer sabem que os símbolos estão associados a grupos criminosos. “Então, muitas pessoas, às vezes, fazem esse símbolo e não necessariamente estão associadas, mas o símbolo foi apropriado e, consequentemente, torna-se ali um elemento de identificação do grupo”, disse.

Coroinhas assassinados

Em 2019 e 2020, dois coroinhas foram mortos em Fortaleza após serem confundidos com membros de facções criminosas. Um teve o celular examinado, e o outro foi assassinado por uma marca na sobrancelha. Em 2024, dois acusados pela morte do coroinha Ronald Miguel Freitas de Oliveira, de 15 anos, foram condenados a 56 anos de prisão. Ronald foi baleado em 2019, na calçada de sua casa, no Bairro Jacarecanga, após voltar de uma missa e conversar com a mãe. 

Coroinha morre atingido por bala perdida no Bairro Jacarecanga, em Fortaleza — Foto: Reprodução 

Em 24 de novembro de 2019, Ronald Miguel Freitas de Oliveira foi abordado na calçada de casa por Pedro Henrique de Morais Pereira, João Levi da Silva de Oliveira e um adolescente de 17 anos. O trio suspeitou que seu celular tinha imagens de pessoas fazendo o sinal "V", associado a um grupo criminoso rival. Após verificar o aparelho, retornaram, e o adolescente disparou na cabeça de Ronald, matando-o no local. 

Coroinha foi assassinado a tiros em Fortaleza. — Foto: Arquivo pessoal 

Em 18 de agosto de 2020, Jefferson Brito Teixeira, de 14 anos, foi assassinado na Barra do Ceará, Fortaleza, após ser confundido com membro de facção criminosa por conta de três cortes na sobrancelha. Robson Vasconcelos, suspeito do crime, abordou o adolescente, percebeu o formato da sobrancelha, e o levou até um beco, onde o atacou. Durante a agressão, ele gritou: "Vem, vão ajudar não? É pilantra, tá falando ‘tudo três’!”.

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