Sob coro, aplausos e com um bom humor acima do usual, a presidente Dilma Rousseff se alongou, na sexta-feira, nos elogios ao amigo "Vilson". Em suas palavras, o "querido" governador do Piauí, Wilson Martins (PSB), sabe muito bem o valor de uma parceria, o que já lhe conferiu algumas intimidades. "Então, às vezes, quando eu não estou pensando muito claramente numa coisa, eu solto um gauchismo. E aí eu chamo ele de "Vilson", disse a presidente, arrancando gargalhadas da plateia que lotou a cerimônia de entrega de um conjunto habitacional em Teresina.
Nascido há 59 anos em Oeiras, município que deu origem ao Estado do Piauí, o neurologista Wilson Nunes Martins assumiu o cargo em abril de 2010, quando o então governador, Wellington Dias (PT), se licenciou para disputar uma vaga no Senado. Reconduzido no mesmo ano, Martins conta que foi durante o segundo turno daquela eleição que estreitou os laços com a então candidata Dilma. "Ali nós tivemos que dar as mãos", relembra o governador, que diz ter passado a exercer esporadicamente a função de mediador entre a presidente e os colegas nordestinos.
Em tempos de governadores queixosos com as contas apertadas, Wilson Martins segue na contramão. Comemora o crescimento econômico e a redução da miséria no Piauí, apesar de o Estado continuar entre os mais pobres do país. O governo federal, ele ressalta, teve papel fundamental nos avanços observados nos últimos anos, especialmente por meio de programas sociais, linhas de financiamento e oferta de crédito pelos bancos oficiais. Em 2012, a arrecadação própria cresceu 15% e os investimentos públicos chegaram a R$ 617 milhões. Para este ano, estão previstos R$ 2 bilhões.
"Eu aprendi que ao bater com muita força na mesa, ou você quebra a mesa ou um dedo da mão"
Dilma sabe da necessidade de manter a hegemonia conquistada pelo PT no Nordeste nas três últimas eleições presidenciais. A região proporcionou votações consagradoras a ela e ao antecessor, mas o avanço do PSB, que controla quatro Estados e duas capitais, é claro. Apesar de toda a gratidão à presidente, Wilson Martins é um dos principais entusiastas da candidatura do colega pernambucano Eduardo Campos (PSB) ao Planalto. "Não tem duplicata assinada, não tem obrigação nem do PSB com PT, nem do PMDB com o PT", disse ele em entrevista ao Valor, concedida no Palácio Karnak, sede do Executivo piauiense.
Valor: Durante o discurso, a presidente falou muito sobre a parceria entre vocês. Existe uma relação próxima?
Wilson Martins: É uma relação próxima. Nós padecemos de um mesmo mal em 2010. Disputamos uma eleição geral, ela para presidente da República e eu, para governador. E nós dois fomos para o segundo turno. Então, nós tivemos que dar as mãos. O segundo turno de 2010 me uniu mais à Dilma. Ela veio aqui, nós participamos de um grande comício e, a partir daí, eu nunca deixei de atender um convite dela. Já falei três vezes em nome dos governadores em solenidades no Palácio do Planalto e tenho recebido algumas missões da presidenta, quando precisa intervir, contemporizar, articular... Nas reuniões de governadores, eu trabalho sempre na linha de apaziguador, de encontrar os caminhos, de entrar pela linha de solucionar os questionamentos e, aos poucos, temos conquistado essa simpatia e essa amizade da presidenta.
Valor: Foi a primeira visita de Dilma ao Piauí como presidente. Bem no início de um ano desafiador, em que o governo precisa mostrar resultados, sobretudo na economia. A presidente está em busca de apoio político?
Martins: É um ano desafiador, mas é um ano também de colheitas. Você diz assim: "o país cresceu pouco". Mas ele cresceu. O que ele cresceu, investiu em qualidade de vida das pessoas. Não tem uma política habitacional no mundo que possa se contrapor à política habitacional atual do Brasil. Todo mundo pode ter uma casa pagando R$ 30 por mês. Você não consegue alugar uma casa por menos de R$ 300, mas você consegue ter um apartamento de dois quartos, banheiro e vaga na garagem pagando R$ 50 por mês. Eu nunca vi juros tão baixos. E não é só para pobre, não.
Valor: Mas o governo federal terá que mostrar mais resultados na economia para que a presidente chegue bem ao ano da eleição, certo?
Martins: A questão da economia é global. É muito mais complexa. Dizia-se que era impossível ter o salário mínimo de US$ 100. O salário teve ganhos significativos nos últimos anos. Diziam que era impossível ter uma taxa Selic abaixo de 6%. Estamos muito próximos. Eu paguei juro aqui no Piauí de 16% ao ano. Quando se fala em reservas internacionais, são reservas que ninguém consegue contar, de tanto dinheiro que tem.
Valor: Mas o senhor não acha que o país poderia estar crescendo mais? No Nordeste, por exemplo, há muitas obras grandiosas paradas ou em ritmo muito lento.
Martins: Eu gostaria que isso estivesse acontecendo. Mas, vem cá, o que seria melhor? Ter crescido mais com taxa de desemprego elevada? Eu acho que taxa de desemprego menor do que essa nunca se viu no Brasil. Conforta-me ver que aqui no Piauí você não encontra [disponível] um pedreiro, um carpinteiro... Você quer trabalhar uma terra, você não encontra trabalhador.
Valor: O senhor diz que tem atuado nos fóruns de governadores como uma espécie de moderador. Os Estados passam por dificuldades, como guerra fiscal sem fim e perda de receitas. Quais são as principais insatisfações?
Martins: O problema é o seguinte: o gestor público vive permanentemente na angústia de querer realizar e de conviver com a falta de condições de realizar. Às vezes, você tem os recursos, planejou, viabilizou e não realizou. Para ter o financeiro, tem que ter o orçamentário. Para conseguir ter o financeiro depois de ter o orçamentário, tem que correr atrás, tem que ter projetos, tem que ter planejamento. Quando você tem tudo isso, tem que realizar, tem que gastar o dinheiro e isso também não é fácil. Aí precisa ter equipe, cautela, paciência e quando você olha, seu tempo está acabando. E, às vezes, tem companheiro que fica angustiado e quer bater na mesa com muita força. E eu aprendi que ao bater com muita força na mesa, ou você quebra a mesa ou um dedo da mão. Às vezes não adianta esticar a corda e partir para o acirramento se você pode perder aqui e ganhar ali.
Valor: Por exemplo?
Martins: Um exemplo claro é como nós salvamos a Sudene [Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste]. A Sudene foi extinta no governo do Fernando Henrique Cardoso e o [ex-presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva] foi eleito com compromisso com o Nordeste. Retomou a Sudene, mas não conseguiu dar o fundo [financeiro]. A Dilma fez isso, à custa de um trabalho dos governadores dentre os quais eu contribuí. No fim de 2012, ela assinou o decreto regulamentando e dando as condições financeiras deste fundo. Nós contemporizamos para que isso pudesse acontecer.
Valor: Na questão do combate aos efeitos da seca também houve grande insatisfação dos governadores.
Martins: Na seca, eu nem digo assim, pois a Dilma nos surpreendeu. Quando faltou milho, nós [governadores] decidimos pagar o transporte do milho. Quando chegamos com o dinheiro e a solução para o transporte, o governo federal resolveu mandar o milho. Então, a questão da seca não teve muita crise, foi uma crise rápida. A Dilma foi fantástica, se antecipou às medidas. Ela antecipou o Garantia Safra, criou Bolsa Estiagem, avançou na questão do crédito e no subsídio do preço do milho.
Valor: E quanto ao veto da distribuição dos royalties? O senhor também concorda com ela?
Martins: Nessa questão, eu me dei o direito de discordar da presidenta e ela respeitou. Eu não tiro dela alguns argumentos favoráveis ao veto. A questão dos contratos antigos, por exemplo. Os governos que já recebem muito, como o Rio de Janeiro, já programaram um mundo de ações que dependem desse dinheiro. É muito dinheiro, mas eles dependem desse muito. Por este lado, o argumento é válido, mas na maioria do contexto, não justifica. Porque teria como se lançar, progressivamente, medidas para diminuir parte da arrecadação que fica para o governo federal. Havia uma saída. Lamentavelmente, judicializou-se isso e, em qualquer momento que botar pra votar o veto, nós derrubamos.
Valor: O que explica o crescimento do PSB em todo o país, sobretudo no Nordeste?
Martins: É um crescimento natural. Já tivemos vários ciclos no Brasil. De eleições em que o PMDB aumentou sua bancada, de o PT aumentar sua bancada. Agora chegou a vez do PSB. Como? Com muito trabalho, com uma militância. Surgiu uma liderança nova, uma liderança que se comunica facilmente com o povo, que tem um discurso absolutamente avançado, democrático, republicano, que é Eduardo Campos. Ele tem carisma e uma facilidade muito grande de se comunicar. Uma conversa com Eduardo Campos é uma conversa que flutua. Surgiu um nome novo no contexto da política tradicional do Brasil.
Valor: Um potencial candidato à Presidência da República?
Martins: O que pega aí? Nós temos uma presidenta altamente reconhecida pelo povo, popular e querida. Do outro lado, um partido, que é o PMDB, que nos últimos governos trabalhou, sobretudo, na questão da governabilidade, como um contrapeso importante. Mas, apareceu agora um novo partido, que foi o que mais cresceu nas últimas eleições, que é o PSB. Cresceu em número de votos, em número de prefeitos, de governadores, parlamentares etc. E por trás disso, um nome que tem uma aceitação quase unânime no meio político, que é Eduardo Campos. Se você pesquisar, ele está bem no grande empresariado. São muitos contrapontos que nos são positivos e favoráveis.
Valor: Diante disso, o que o senhor pensa em relação a 2014?
Martins: O PSB é, incondicionalmente, parceiro do PT. É o principal aliado do ponto de vista histórico. Nós temos um carinho muito grande e somos aliados da presidenta Dilma. Agora, evidentemente, que com nosso crescimento nós não vamos nos intimidar, pois não podemos negar que temos esse nome [Eduardo Campos] e essa perspectiva [de disputar a Presidência da República]. Não vamos negar que o Eduardo possa ser candidato. Feliz daquele partido que tem um nome como o que nós temos. Isso é um pecado grave? De maneira nenhuma, pelo contrário! Muitos partidos queriam ter hoje as condições que tem o PSB. Isso também obriga que tenhamos candidato já em 2014? Não obriga. Mas na hora que sentar na mesa pra decidir como é que vai ser, o PSB tem assento cativo, com o Eduardo lá, sentado.
Valor: Os irmãos Gomes, seus vizinhos, são mais cautelosos. Defendem apoio incondicional à Dilma e que o PSB saia imediatamente do governo se quiser lançar candidato.
Martins: Penso diferente. Nós não valemos pelo que vamos ser. Valemos pelo que fomos e somos. O governo que aí está é o nosso também. Nós estivemos juntos. Futuro é futuro. Não tem duplicata assinada disso, não tem obrigação nem do PSB com PT, nem do PMDB com PT. O que vale é a lealdade, o respeito e a credibilidade. E neste ponto, eu digo que o PSB está muito bem. Se você perguntar se estamos felizes na relação com o governo Dilma, eu digo que sim. Isso significa que essa felicidade vai implicar em ficar junto pela vida toda? Quem disser que sim, não entende nada de política.
Valor: Se o PSB não tiver o peso que lhe cabe, terá candidato?
Martins: É absolutamente natural isso. Como é natural ao PMDB, ao PT. Acho que a presidenta tem tudo para ser reeleita e este é meu sentimento, a minha vontade. Agora, entre este sentimento e ter uma bola de cristal, há uma distância muito grande. Não há obrigação de ficarmos juntos. Para ficarmos juntos, não é necessário que o Eduardo seja candidato a vice-presidente, é preciso que haja respeito, carinho, entendimento, parceria.
Valor: Como seria esse respeito, esse carinho em termos práticos? Há no PT quem defenda apoio a Campos em 2018 em troca do apoio a Dilma em 2014.
Martins: O Brasil é uma república federativa em que você não tem só eleição para presidente. Você tem eleição para vários governadores. E também não só em cargos, mas em fazer valer as ideias do partido, os programas. Que seja incluído isso dentro de um projeto de governo. Há várias formas de contemplar, não só o espaço político, a vaga, os ministérios.
Valor: A presidente pretende visitar vários Estados do Nordeste nas próximas semanas. O PT está em baixa na região?
Martins: Eu fiquei impressionado com a manifestação de carinho da população do Piauí com a presidente. Parou o comércio. É um termômetro pra ela. Quando ela vem, ela fortalece o laço da gestão, mas sem dúvida, tenho certeza que ela saiu do Piauí com as baterias carregadas, com o ego bem elevado.