O ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roberto Mangabeira Unger, entende que o Nordeste deve aproveitar sua criatividade empreendedora e cultural para estabelecer um novo modelo de desenvolvimento para a região que ajude a sinalizar um caminho para o Brasil. Mangabeira está hoje em Teresina participando de reunião com o governador Wellington Dias (PT) para discutir o Piauí no planejamento do Governo Federal.
Jornal Meio Norte - O PIB do Nordeste cresceu 3,7% e o PIB do Sudeste caiu 0,8% em 2014, enquanto o PIB do Brasil cresceu apenas 0,1%, segundo o Índice de Atividade Econômica Regional do Banco Central. A que se deve essa inversão entre Nordeste e Sudeste? Investir no Nordeste é o caminho para o Brasil voltar a crescer?
Mangabeira Unger - Trinta por cento dos brasileiros vivem no Nordeste. Entretanto, o Nordeste não tem uma estratégia de desenvolvimento desde a época de Celso Furtado. A velha concepção de política regional é a de compensações para o atraso relativo – não funciona, não é a melhor ideia. O melhor conceito da política regional é que ela se destina a acalentar vanguardas e vanguardismos alternativos do país: identificar os agentes que já existem, vir ao encontro deles e provê-los de instrumentos e de oportunidades. Por exemplo, os empreendedores emergentes do semiárido nordestino. Hoje, o Nordeste vive uma explosão de criatividade empreendedora e cultural. Nós temos de aproveitar toda essa energia humana organizando um novo modelo de desenvolvimento para o Nordeste, que ajude a sinalizar um caminho para o país.
JMN - Qual o potencial energético e mineral do Nordeste e Norte? Quais as ações que devem ser prioritárias para a exploração dessas riquezas?
MU - O Nordeste tem vasto potencial energético e mineral não aproveitado. Eu dou o exemplo das reservas de potássio e fosfato que podem servir para a produção de fertilizantes. Nós precisamos atuar de maneira imaginativa e audaciosa, sem preconceito ideológico: experimentar o empreendimento público dentro das regras de mercado e, ao mesmo tempo, atrair o capital privado dentro de um marco regulatório novo.
JMN - Em que contexto estratégico o Piauí está inserido no planejamento do governo federal para o desenvolvimento do país?
MU - O Piauí é um exemplo concentrado do dinamismo nordestino: no litoral, no semiárido e na fronteira agrícola do sul. O que falta agora é organizar esta energia humana, é construir um novo modelo econômico, baseado em coordenação estratégica descentralizada entre os governos e os pequenos e médios empreendedores, e concorrência cooperativa entre esses empreendedores. Quando digo concorrência cooperativa, quero dizer que os pequenos e médios empreendedores podem concorrer entre si e cooperar ao mesmo tempo, ganhando, pela cooperação, acesso à economia de escala. O Piauí tem condições extraordinárias para assimilar um choque de ciência e tecnologia que assegura a qualificação dos produtores emergentes.
JMN - Há hoje um esforço coletivo diante do ajuste fiscal do governo. Que medidas e ações o país e o Piauí devem tomar para responder ao ajuste?
MU - O ajuste fiscal por que passa o país não é uma agenda de desenvolvimento; é hoje uma preliminar indispensável a uma agenda de desenvolvimento. Não fazemos o ajuste fiscal para ganhar confiança financeira, fazemos o ajuste fiscal para não depender da confiança financeira. O ajuste vai exigir grande disciplina, porque impõe uma maior escassez de recursos. Mas o recurso mais escasso no Brasil não é dinheiro, são ideias, ideias capazes de inspirar inovações institucionais. O Nordeste hoje está aberto às inovações institucionais. Mais do que uma fronteira agrícola, é uma fronteira de experimentalismo institucional.
JMN - O senhor é um dos coor-denadores do projeto Pátria Educadora e da reforma na educação, bandeiras do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Quais são os pontos estratégicos desses projetos e como se dará sua aplicação pelo governo?
MU - O projeto prioritário do governo e do país, hoje, é a qualificação do ensino básico. O Brasil é uma grande anarquia criadora, mas nós vestimos uma camisa de força, um sistema de ensino vidrado em decoreba e enciclopedismo raso, que é a negação dos nossos pendores. Agora, nós temos de organizar o ensino em torno das capacitações analíticas centrais, interpretação de texto e raciocínio lógico – mas, ao mesmo tempo, enfrentar as inibições precognitivas que uma grande parte dos alunos sofre para dominar essas capacitações analíticas. Capacitações de comportamento, de disciplina e de cooperação. Esta grande reorientação curricular e pedagógica tem de ser preparada pela organização da cooperação federativa em educação. E exige, para ser eficaz, todo um conjunto de iniciativas destinadas a qualificar o professorado. É sobre esta grande temática que trabalhamos hoje no governo.
JMN - O senhor faz sua primeira visita ao Piauí nessa nova presença no comando da Secretaria de Assuntos Estratégicos, mas já firmou parcerias importantes nas gestões anteriores com o governador Wellington Dias. Qual foco para o novo momento? Que tipo de cooperação com o governo federal deve ser prioritária para o Piauí?
MU - Eu ocupei, entre 2007 e 2009, esta mesma pasta (de Assuntos Estratégicos) – eu fui o primeiro ocupante. Entendo que a minha tarefa não é apenas assessorar o plano do governo que está atualmente no poder. A minha tarefa é ajudar a construir um projeto de Estado que ganhe apoio majoritário no país e se imponha a futuros governos. O eixo desse projeto, hoje, é organizar no país um produtivismo includente e uma capacitação das maiorias. Portanto, é um projeto focado não apenas no consumo e na demanda, mas também – e sobretudo – na produção e na oferta. Um projeto que tem por objetivo organizar a democratização das oportunidades econômicas e educacionais. O Piauí, com seu extraordinário dinamismo empreendedor e cultural, pode atuar como uma vanguarda no Nordeste e também do país.