Na noite de 23 de julho de 1993, a Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, tornou-se cenário de um dos crimes mais brutais da história do Brasil. Conhecido como a Chacina da Candelária, o massacre deixou oito jovens mortos e feriu vários outros, marcando uma geração e expondo a realidade cruel das crianças e adolescentes em situação de rua no país.
A fatídica noite
Naquela noite, dois Chevettes com placas cobertas pararam em frente à igreja, onde cerca de setenta jovens dormiam. Sem qualquer aviso, os ocupantes dos carros abriram fogo contra as crianças e adolescentes que repousavam ali. As vítimas eram, em sua maioria, negras, pobres e vulneráveis, vivendo à margem da sociedade.
Entre os mortos, estavam:
- Paulo Roberto de Oliveira, 11 anos
- Anderson de Oliveira Pereira, 13 anos
- Marcelo Cândido de Jesus, 14 anos
- Valdevino Miguel de Almeida, 14 anos
- "Gambazinho", 17 anos
- Leandro Santos da Conceição, 17 anos
- Paulo José da Silva, 18 anos
- Marcos Antônio Alves da Silva, 19 anos
Outras vítimas conseguiram escapar, feridas e traumatizadas.
As investigações revelaram que os responsáveis pelos disparos eram milicianos, incluindo policiais militares e ex-policiais. Um dos sobreviventes, Wagner dos Santos, que havia sido alvejado por quatro tiros, se tornou a principal testemunha do caso. Em 12 de setembro de 1994, pouco mais de um ano após o massacre, Wagner sofreu outro atentado, desta vez na Estação Central do Brasil. Atingido por mais quatro tiros, ele sobreviveu e foi colocado sob proteção do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, deixando o país em busca de segurança. O testumundo de Wagner foi fundamental no reconhecimento dos criminosos.
Durante o processo judicial da Chacina da Candelária, sete pessoas foram acusadas: o ex-policial militar Marcus Vinícius Emmanuel Borges, os policiais militares Cláudio dos Santos e Marcelo Cortes, o serralheiro Jurandir Gomes França, além de Nelson Oliveira dos Santos, Marco Aurélio Dias de Alcântara e Arlindo Afonso Lisboa Júnior.
Dentre os acusados, Cláudio, Marcelo e Jurandir foram absolvidos. Arlindo Afonso, embora não tenha sido julgado especificamente pela chacina, recebeu uma pena de dois anos por posse de uma das armas usadas no crime. Já os outros três condenados pelo massacre permanecem em liberdade, seja por indulto ou liberdade condicional:
• Marcus Vinícius Emmanuel Borges foi inicialmente condenado a 309 anos. Após recurso, a pena foi reduzida para 89 anos. No entanto, um novo julgamento, em 2003, elevou sua condenação para 300 anos, mas ele segue em liberdade.
• Nelson Oliveira dos Santos recebeu uma pena de 243 anos por homicídio e 18 anos por tentativa de assassinato. Em um segundo julgamento, foi absolvido das mortes, apesar de sua confissão, mas condenado a 45 anos após recurso do Ministério Público. Atualmente, ele está em liberdade condicional.
• Marco Aurélio Dias de Alcântara foi sentenciado a 204 anos e também cumpre liberdade condicional.
Apesar das severas condenações, todos atualmente encontram-se em liberdade condicional ou beneficiados por indultos, uma realidade que provoca indignação e perplexidade naqueles que acompanharam o caso.
O massacre não ficou apenas na memória. Em frente à Igreja da Candelária, uma cruz de madeira carrega os nomes dos oito jovens assassinados, lembrando a todos a violência daquela noite. O memorial, no entanto, sofreu com o tempo e o descaso, sendo vandalizado e parcialmente destruído, com a epígrafe agora quase ilegível.
A arte imita a vida
A tragédia da Candelária repercutiu internacionalmente, destacando a situação de vulnerabilidade de jovens nas ruas do Brasil. Este ano, a Netflix lançou a minissérie Os Quatro da Candelária, inspirada nos eventos reais, com os personagens Jesus, Douglas, Sete e Pipoca, representando quatro jovens que, antes do massacre, tinham sonhos e esperanças em meio à dura realidade das ruas. Segundo a sinopse do streaming: “Enquanto tentam sobreviver nas ruas, quatro amigos buscam apoio uns nos outros e sonham com um futuro melhor. Até que uma tragédia acontece.”