O Brasil é aplaudido de pé e transforma Berlim num verdadeiro Carnaval. Foi exatamente o que aconteceu na tarde de 22 de Fevereiro de 1998, quando “Central do Brasil", o terceiro longa-metragem do cineasta brasileiro Walter Salles, levou os prêmios de melhor filme e melhor atriz (Fernanda Montenegro) da 48ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim.
O primeiro Urso de Ouro para um filme brasileiro e o terceiro Urso de Prata para uma atriz brasileira foram fortemente aplaudidos durante seu anúncio para a imprensa.
"Nunca pensei que houvesse algo melhor que dirigir um filme. Existe: estar aqui em Berlim", disse Walter Salles, em inglês, ao receber o prêmio às 19h57 locais (16h57 de Brasília).
Somando-se ainda à Palma de Ouro (o prêmio máximo do Festival de Cannes) para o "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, em 1963, e o Leão de Ouro (do Festival de Veneza) para "Eles Não Usam Black-Tie", de Leon Hirszman, em 1981, o Brasil se estabelece como a única cinematografia latino-americana a contar triunfos na trinca dos principais festivais internacionais.
Em "Central do Brasil", também premiado ontem pelo Júri Ecumêmico (representantes de organizações de cinema de orientação protestante e católica), uma "escrevedora" de cartas para analfabetos (Fernanda Montenegro) acompanha a viagem do Rio ao Nordeste de um garoto (Vinícius de Oliveira) que procura o pai. O filme estréia no Brasil em 3 de abril.
O Urso de Ouro para "Central" é o segundo na carreira do produtor suíço-americano Arthur Cohn, premiado aqui em 1971 por "O Jardim dos Finzi Contini", de Vittorio De Sica. O único triunfo anterior em Berlim de uma cinematografia periférica havia sido o de "Trovão Distante", do indiano Satyajit Ray, em 1973.
O Urso de Ouro é ainda o primeiro prêmio para o cinema brasileiro na competição oficial de longas-metragens nesta década. O Brasil havia conquistado antes outros Ursos de Prata na disputa principal. Eles foram concedidos em 1964 a Ruy Guerra por "Os Fuzis"; em 1969 a Walter Lima Jr. por "Brasil 2000"; a Arnaldo Jabor em 1973 por "Toda Nudez Será Castigada"; para "A Tenda dos Milagres", de Nélson Pereira dos Santos, em 1977; e para Ruy Guerra e Nélson Xavier por "A Queda", em 1978.
O Urso de Prata de melhor atriz para Fernanda Montenegro soma-se aos triunfos de Marcélia Cartaxo, por "A Hora da Estrela", de Suzana Amaral, e de Ana Beatriz Nogueira, por "Vera", de Sérgio Toledo, respectivamente em 1986 e 1987. "Nossos corações estão batendo mais e mais aqui em Berlim", disse Fernanda Montenegro, durante a premiação.
"É a primeira vez em Berlim que um filme ganha dois prêmios do júri oficial. É duplamente significativo", disse à Folha José Carlos Avellar, diretor da RioFilme, uma das co-produtoras brasileiras do filme, e também representante do festival berlinense no Brasil.
Um dos co-produtores internacionais, Donald Ranvaud, disse acreditar que uma "onda brasileira" vai substituir agora a "onda chinesa". "Ela também nasceu aqui, com a vitória de "Sorgo Vermelho', de Yimou, há dez anos."
A Folha apurou que cinco títulos ficaram na lista final do júri como concorrentes ao prêmio máximo do festival: "Central", "Nó na Garganta" (The Butcher Boy), de Neil Jordan, "On Connait la Chanson" (Lembro da Música), de Alain Resnais, "Gênio Indomável", de Gus van Sant (em cartaz no Brasil), e "Wag The Dog" (Abane o Cão), de Barry Levinson.
O ator chinês Leslie Cheung ("Adeus Minha Concubina") foi o mais enfático defensor de "Central" devido ao seu caráter emocional. Chegou a recomendar a concessão do prêmio de melhor ator ao garoto Vinícius de Oliveira, numa composição com o garoto irlandês Eamonn Owens, de "Nó".
Li Cheuk-to, diretor do festival de Hong Kong, reforçou a defesa do filme com argumentos de cinéfilo. O argentino Héctor Olivera fechou questão a favor do Urso de Ouro já na primeira projeção.
Dois outros jurados têm ligações com o Brasil. O produtor britânico Michael William-Jones morou no Rio nos anos 80 como diretor da distribuidora americana UIP. O cineasta italiano Maurizio Nichetti deseja rodar no Brasil seu próximo filme, "Honolulu Baby".
Duas juradas, a professora americana Annette Insdorf e a atriz alemã Senta Berger, participaram alegremente do jantar oferecido pelo produtor Arthur Cohn, de "Central", logo após a entusiástica sessão oficial.
Um balanço dos prêmios mostra que o eurocentrismo anunciado pelo presidente do júri, o ator britânico Ben Kingsley, acabou não vingando. O segundo prêmio principal foi para a produção americana "Wag the Dog", comédia política sobre um presidente dos EUA que declara guerra à Albânia para desviar as atenções de um novo escândalo sexual.
Dois outros Ursos de Prata foram para Hollywood: melhor ator para Samuel L. Jackson ("Jackie Brown") e Matt Damon, por roteiro e atuação em "Gênio Indomável", em cartaz no Brasil.
"Nó na Garganta" foi o destaque do cinema europeu, levando o prêmio de direção para Neil Jordan e uma menção especial para o ator-mirim Eamonn Owens. O veterano cineasta francês Alain Resnais ficou com um Urso de Prata pelo conjunto de sua carreira, e não apenas pelo simpático "On Connait la Chanson".
O cinema asiático, tão reverenciado pelo festival na última década, teve de se contentar com um único prêmio do júri oficial, o secundário Troféu Alfred Bauer, para o drama homossexual "Hold You Tight", de Stanley Kwan. A crítica internacional consagrou o bobo "Sada", do japonês Nobuhiko Obayashi. E foi muito.