Em carta lacônica, com poucas palavras, o pensador e escritor Jean-Paul Sartre recusou receber o Nobel de Literatura. Foi a primeira vez na história do consagrado prêmio que alguém teve essa coragem e desprendimento
Num comunicado lacônico de apenas 14 linhas, o grande filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre recusou receber o cobiçado título de Prêmio Nobel de Literatura, outorgado pela notável academia da Suécia. Isso ocorreu em 21 de Outubro de 1964.
Disse Jean-Paul Sartre à Academia sueca:
“De acordo com certas informações de que tomei hoje conhecimento, eu teria, este ano, algumas hipóteses de conseguir o Prémio Nobel”, lê-se na primeira linha da reprodução da carta que a Academia Sueca fez esta segunda-feira chegar ao PÚBLICO e cujo original Sartre endereçou a Nils Stahle, à época director da Fundação Nobel.
Na declaração pública que uma semana depois faria à imprensa sueca e que o Le Monde publicou numa tradução para francês revista pelo próprio, Sartre diria: “Quando li no Figaro Littéraire de 15 de outubro […] que a escolha da Academia tendia para mim, mas que ainda não estava determinada, supus que escrevendo uma carta à Academia, que enviei no dia seguinte, poderia esclarecer a questão e que não haveria mais discussão.” Na verdade, a avaliar pela data da documentação agora desembargada pela Academia, depreende-se que Sartre tenha sido avisado dos conteúdos da coluna do correspondente sueco em Paris ou que esta lhe tenha sido dada a ler na véspera da chegada às bancas do suplemento.
Em qualquer dos casos, faltavam ainda oito dias para o anúncio mundial do vencedor, que aconteceria a 22 de outubro. E o Nobel não divulga listas de candidatos. Donde que Sartre ressalve e esclareça logo de seguida: “Ainda que seja presunçoso dar um voto como decidido antes que ele tenha tido lugar, tomo a liberdade de […] escrever para dissipar ou evitar um mal-entendido.”
De acordo com o que nessa ocasião escreveu, Sartre teria “profunda estima pela Academia Sueca” e pelo prêmio com que esta “honrou tantos escritores”. A decisão era, apesar disso, negativa: “Por motivos pessoais e outros, mais objetivos, que não cabe aqui desenvolver, desejo não figurar na lista dos possíveis laureados e não posso nem quero – nem em 1964 nem mais tarde – aceitar esta distinção honorífica.”
Depois, apenas uma delicada despedida antes da assinatura: “Peço-lhe, senhor Secretário, que aceite as minhas desculpas e que acredite na minha muito alta estima.” Nada mais.
Na verdade, a suposta “estima” de Sartre pela Academia Sueca era matizada. Na sua declaração pública de 21 de Outubro, o “intelectual total” apontou os mesmos “dois tipos de motivos: pessoais e objectivos” que na sua carta. Mas esclareceu-os: “Um escritor que adota posições políticas, sociais ou literárias deve agir apenas com os meios que são os seus – ou seja, a palavra escrita. Todas as honras que possa receber expõem os seus leitores a uma pressão que não considero desejável.”
Assinar Jean-Paul Sartre “não é o mesmo que assinar Jean-Paul Sartre, vencedor do Nobel”, disse o escritor. Para logo de seguida apontar um exemplo concreto: “As minhas simpatias pelos revolucionários venezuelanos implicam-me apenas a mim, enquanto se Jean-Paul Sartre, o laureado, apoia a resistência venezuelana implica todo o Prémio Nobel como instituição. O escritor deve, assim, recusar deixar-se ser transformado em instituição, ainda que tal ocorra sob as mais honrosas circunstâncias, como é o caso.”