Muitos dos que hoje vivem esses momentos dramáticos, de apreensão e medo, diante da pandemia do Coronavírus, mal podem imaginar que o Brasil já passou por momentos de espantosa aflição em face de epidemias que se instalaram no território nacional e levaram a milhares de mortos e a consequências econômicas e sociais desastrosas.
Uma delas foi a que ficou conhecida como Gripe Espanhola, que se abateu sobre o Brasil no ano de 1918, causou uma verdadeira catástrofe nacional, matou mais de 30 mil pessoas, incluindo o Presidente da República Rodrigues Alves. Eleito para seu segundo mandato presidencial, contrariou a gripe espanhola no final da campanha eleitoral, não teve condições de tomar posse, e morreu em janeiro de 1919.
Com o impedimento de Rodrigues Alves de assumir a Presidência para seu segundo mandato, toma posse o Vice que com ele fora eleito, Delfim Moreira, que traria um problema não menos grave: Delfim também era muito doente, sofria das faculdades mentais, passava por crises psiquiátricas espantosas, alternando momentos sãos e outros de absoluta alienação da realidade.
Portanto, o Brasil teve que lutar contra dois males: o da gripe espanhola, com todas as suas consequências destruidoras, e o Presidente da República que não tinha qualquer condição de governar.
Tão grave era a situação, que as principais funções administrativas e políticas atribuídas à figura do Presidente foram, durante os oito meses de exercício do mandato de Delfim Moreira, exercidas de fato pelo Ministro da Viação e Obras Públicas, Afrânio Melo Franco.
Tão grave era a situação de Delfim Moreira, que ainda em 1918 foi marcada uma eleição extra para Presidente, quando foi eleito Epitácio Pessoa, tomando posse em janeiro de 1919.
Para se ter uma ideia, naquele ano todas as escolas do Brasil foram forçadas a aprovar todos os alunos, pois não havia condições de manter as escolas abertas.
A gripe espanhola chegou ao Brasil a bordo do transatlântico Demerara, um navio europeu que desembarcou passageiros infectados nos portos de Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Nessas cidades o vírus começou a se alastrar, deixando seu rastro de destruição e morte.
A pandemia chegou a outras cidades, além dessas em cujos portos desceram passageiros infectados, atuando com maior força em São Paulo e Porto Alegre, por exemplo.
Em vários países da Europa, governantes usaram forças militares para censurar as notícias sobre a doença, pois não se acreditava na gravidade que a gripe trazia. No Brasil, além do uso da repressão por forças militares para evitar as notícias sobre a propagação do mal, fez-se escancarado deboche da gripe espanhola.
No Rio de Janeiro, a cidade mais afetada pela doença, autoridades, com apoio de parte da imprensa da época, diziam que a moléstia era “uma criação dos alemãs que espalharam pelo mundo inteiro, por meio de seus submarinos nossos marinheiros, oficiais, médicos e enfermeiros de nossa esquadra que partiram para lutar no front da Primeira Guerra”.
Tal ordem de sentimento denunciava, por um lado, a total desinformação e o desconhecimento da sociedade sobre o problema que a ameaçava; por outro, escondia o medo da população, que via nas medidas sanitárias um pretexto para revitalizar aquelas que consideravam coercitivas. Durante o governo Rodrigues Alves, instaurou-se uma tirania sanitária que deu origem a grandes tensões sociais e desencadeou a conhecida Revolta da Vacina.
Mesmo diante do deboche de autoridades, do pouco caso que faziam da doença, a gripe espanhola, matando mais de 30 mil pessoas, fez uma destruição espantosa por onde passou. No Rio, Por exemplo, os cadáveres eram vistos às portas das casas, atraindo urubus. As carroças puxadas a animal circulavam pela cidade recolhendo as pilhas de mortos.
Como muitos coveiros dos cemitérios haviam morrido pela gripe espanhola, a Polícia saía às ruas capturando os homens de musculatura mais forte, para que eles cavassem as covas em que seriam enterrados os cadáveres.
Algo só visto, até então, em filmes de terror.