Ele foi um dos primeiros investidores de empresas como Tesla, Twitter, Baidu e Hotmail. Também foi um dos criadores do termo “marketing viral”, surgido a partir de uma pequena recomendação inserida nas assinaturas de email do Hotmail, ainda nos anos 1990. E, aos 62 anos, o veterano investidor do Vale do Silício Tim Draper nunca esteve tão otimista. “Nunca houve uma época tão boa para ser empreendedor, especialmente num país pobre”, diz o americano, convidado da Silicon Valley Web Conference, organizada pela empresa de inovação StartSe. Ele fala no evento, gratuito, no próximo dia 20.
Para Draper, a despeito da pandemia e da crise econômica que se avizinha, há muitas oportunidades hoje para quem deseja criar um negócio. Primeiro, porque o mercado de risco está cheio de dinheiro disponível – uma onda de aberturas de capital nos EUA está dando retorno aos investidores e permitindo novos investimentos. Segundo, porque a digitalização avançou nos últimos meses e fez ainda mais pessoas estarem conectadas. “Hoje, quase todos têm smartphones e eles servem como janelas para o mundo. Tudo é possível a partir daí”.
Em entrevista ao Estadão, Draper fala sobre o momento do mercado e conta passagens de sua trajetória – ele se arrepende de não ter investido em companhias como Netflix, Facebook e Google. “Tínhamos vários motores de busca e meus sócios acharam que era demais”, conta. Entusiasta do bitcoin, ele também versa sobre o papel que moedas digitais e blockchain poderão ter no futuro. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O mundo do capital de risco estava cauteloso antes da pandemia, graças a tropeços de empresas como Uber e WeWork. Também houve cautela nos primeiros meses da quarentena. Como o sr. vê o mercado agora?
É um momento interessante, porque a quarentena abriu novos mundos para as pessoas. Elas estavam presas em casa e começaram a experimentar. Jogaram mais games, tiveram de cuidar de coisas à distância, testaram realidade virtual. Muita gente aproveitou para entender o bitcoin pela primeira vez. É um momento interessante. Além disso, houve um boom na bolsa, com muitas aberturas de capital. Há uma grande onda de retornos financeiros no Vale do Silício e isso é bom, porque gera novos investimentos.
Que setores atraem sua atenção nesse momento?
Particularmente, estou de olho em empresas que usam bitcoin de formas inovadoras. As criptomoedas podem revolucionar sistemas contábeis, seguros ou até mesmo o varejo. Mas há transformações em muitos setores. Na verdade, é preciso notar o seguinte: a internet mudou a comunicação, a mídia, o entretenimento, a informação. Mas muitas das principais indústrias ainda foram pouco afetadas. Bancos, saúde, seguros, imóveis, todas essas áreas ainda foram pouco afetadas. Com bitcoin, ciência de dados e IA, é possível mudá-las de forma radicais. Nos próximos anos, haverá uma renascença – e para os empreendedores, há um campo aberto.
O sr. é um entusiasta do bitcoin e já disse anteriormente que defende a moeda como antídoto a um papel mais forte do governo. Criar um sistema financeiro descentralizado não reduz a confiança nos governos?
Isso seria algo de efeito temporário, enquanto o governo tentaria manter seu poder. Mas os bons governos hoje estão encorajando moedas virtuais, abrindo suas fronteiras, encorajando o comércio. Os governos ruins estão tentando centralizar e fechar fronteiras. Vemos hoje cada vez mais governos sendo tribais, mas precisamos de globalização. A grande globalização vai levar o mundo a um lugar fabuloso. Governos que souberem aproveitar essa tendência, usando tecnologia para promover justiça nas próximas décadas, vão se tornar os países mais ricos do mundo. Acredito que o tribalismo que vemos hoje é como o rugido de um leão prestes a morrer.
O sr. tem décadas de investimentos. Qual foi seu melhor investimento?
O Hotmail. Ele deu a oportunidade das pessoas se comunicarem gratuitamente pelo mundo. Era o início da globalização. As pessoas comem melhor, vivem melhor e pensam melhor nesse sistema. É algo que aumenta a confiança internacional das pessoas. E a confiança é a base de um bom país.
E o pior?
Foram aqueles que eu não fiz. Reed Hastings apresentou a ideia da Netflix para mim, falando que ia mandar DVDs para as pessoas pelo correio. Achei algo estúpido. E bem, eu errei. Perdi a chance de investir no Google, porque já tínhamos vários motores de busca e meus sócios acharam que era demais. No Facebook, nós acabamos perdendo na proposta. Metade das empresas em que apostei foram à falência. Mas eu não penso nelas de forma triste: elas ajudaram o mercado a avançar, a competição a acontecer. Para mim, as falhas são falhas em não ter conseguido investir em grandes empresas. E eu posso dizer que tive acesso a praticamente qualquer grande empresa por aí. Toda vez que surge uma grande empresa e eu não investi? Bem, isso é uma falha.
O sr. já investiu na Tesla e na Space X. Muita gente acha que Elon Musk é um gênio. Outros acham que é louco. O que o sr. acha?
Ele é os dois! (risos) Se você é um empreendedor e projeta um futuro, precisa de gente para descobrir como projetar esse futuro. Quando Elon diz que vamos a Marte, tem muita gente que vai dizer que não vai rolar. Mas alguns dos melhores engenheiros do mundo decidem que vão se juntar à Space X para descobrir como fazer isso. Se há vontade, há um caminho. A ideia da Tesla parecia uma piada, mas é um grande carro. É muito melhor do que um carro a gasolina. E isso aconteceu por conta da ambição de Elon. Se ele diz que vamos a Marte, então nós vamos. Precisamos dessas pessoas que arriscam seu pescoço e topam falhar até terem sucesso.
O sr. é dono de uma escola para empreendedores, a Draper University. Muitos acreditam que a escola é um lugar que ensina a não cometer erros. No mundo das startups, se fala muito sobre se aprender a falhar. De que lado o sr. fica?
São dois jeitos válidos de ver a vida. A coisa mais importante é que as pessoas aprendam. Cada pessoa aprende de um jeito. As escolas são criadas para que você tire boas notas quando você não erra. Para mim, isso é um erro. As escolas deveriam ser criadas para você testar coisas e aprender a partir disso. Quem aprende assim será um bom empreendedor.
O sr. é reconhecido como o criador da expressão “marketing viral”. Como o sr. vê o termo hoje e o seu impacto na internet nas últimas três décadas?
Ainda hoje, é um jeito muito eficiente e de baixo custo para espalhar uma grande mensagem. Se você tem um produto que é melhor do que o que existe por aí, você pode usar marketing viral para espalhar a mensagem. Encorajo todos os negócios que invisto a transformar seus clientes em sua força de vendas. Essa é a essência: o usuário vira a força de vendas, o produto pode se espalhar mais rápido do que nunca. Tudo começou com aquela pequena mensagem na assinatura do Hotmail, mas acabou virando um padrão.
O sr. vem de uma família com conexões, cargos importantes e passado no Vale do Silício. Nem todos que querem fazer uma startup tem esse mesmo background. Que conselho o sr. dá a quem não tem condições e quer ser bem sucedido no mercado?
Eu vim de uma família fabulosa. Nem sempre fomos ricos, a fortuna veio e foi embora. Sei o que é ser pobre e rico. Meu avô foi o primeiro capitalista de risco no Vale do Silício. Meu pai foi um pioneiro – e nem todo pioneiro é rico, mas está tentando coisas. Mas concordo: se você está tentando conseguir sua própria refeição, você não consegue necessariamente pensar como um empreendedor. Mas se você tem estabilidade, tem comida e um lugar para ficar, você consegue pensar em longo prazo. Como será o mundo no futuro? E como eu posso interferir? Nunca houve uma época tão boa para ser um empreendedor, especialmente em uma região pobre. Porque hoje quase todos tem smartphones e eles servem como janelas para o mundo. A partir disso, é possível projetar qualquer coisa.
O sr. investiu em diferentes setores e tipos de empresas, em décadas diferentes. Há algum setor em que o modelo de capital de risco e startups não funciona?
Pode parecer que eu tenho óculos escritos “capitalista de risco” na minha cara, mas a resposta é não, não há (risos). As startups podem resolver todos os problemas do mundo. Podem resolver a pobreza, criam empregos, criam novas tecnologias para melhorar nossas vidas. Quando as pessoas falam mal do Facebook por usar mal os seus dados, surge uma startup que cria um negócio justamente para cuidar bem dos seus dados. Talvez, as startups que resolvam alguns problemas ainda não foram criadas, mas todos os problemas podem ser resolvidos por elas. Aquecimento global? Saúde? A pandemia? Pobreza? Sim, as startups podem resolver tudo isso. Startups são as únicas empresas que estão criando empregos hoje – os negócios tradicionais estão estacionados.