A Câmara dos Deputados parece mesmo ter entrado num apagão civilizatório, quando olhamos para várias decisões que foram tomadas nos últimos dias, num claro processo de aceleração de pautas, aprovando projetos que caracterizam um imenso retrocesso. Isso se dá nas questões ambientais, com a legalização de práticas danosas ao meio ambiente, aos desmatamentos, à invasão de áreas protegidas; ou ao tornar criminosa, e assim sujeita às penalidades da lei, a pessoa que for flagrada portando um cigarro de maconha, ou ainda quando terminou regime de urgência a esse espantoso e acintoso projeto contra a mulher, que visa equiparar o aborto ao crime de homicídio.
TRANMITAÇÃO DO ABORTO
No caso do aborto, a proposta impõe pena igual à de homicídio, que passa de 1 a 4 anos, para 6 a 20 anos, à mulher que praticá-lo após 22 semanas de gestação, mesmo que a gravidez seja decorrente de estupro. A prática será criminalizada em qualquer circunstância, derrubando por terra a legislação até então existente, que previa o aborto legal, dentro de circunstâncias que protegiam a vida de mulheres ou seus direitos em caso de violência sexual.
Mas, em meio a esse retorno às cavernas, uma luz acendeu no fundo do poço. Essa mesma Câmara retrógrada, que se revela aliada à destruição da natureza e adepta da misoginia, teve enfim a lucidez e a responsabilidade de aprovar projeto que torna ataques a escolas crime hediondo, aumentando as penas de quem as pratique, que podem chegar a 30 anos de prisão. O texto aprovado estabelece que se a vítima do ataque ao ambiente escolar for portadora de deficiência, o crime agrava as penalidades. Está aí um raro momento de bom senso.
ATAQUE A ESCOLAS
A proposta aprovada na Câmara, que agora segue para votação no Senado, altera o Código Penal brasileiro para tipificar os crimes praticados em escolas, creches, e quaisquer outras unidades atreladas à educação, a exemplo de ginásios de esporte, quadras esportivas ou atividades recreativas dentro do contexto escolar. As penas aos envolvidos nesses episódios vão agora, se o projeto for confirmado no Senado, de 12 a 30 anos de prisão.
Trata-se, finalmente, de uma boa e, até certo ponto, tranquilizadora notícia. Não que uma simples lei possa sanar, banir de uma vez por todas as sandices cometidas contra escolas no Brasil. Mas, com rigorosa convicção, serve como um freio, um instrumento inibidor para novas práticas, pois o bandido que idealize tais atos, ao menos temerá que sua ação poderá deixá-lo atrás das grades até por décadas.
Já passava do tempo de que os legisladores brasileiros adotassem atitudes nesse sentido. Não é sem razão, pois o país tem testemunhado ondas de ataques a estabelecimentos de ensino, com o registro de mortes de estudantes- crianças e adolescentes-, professores e funcionários de escolas em vários pontos do nosso território. A gravidade é tal, que somente nos últimos tempos, com maior concentração nos quatro anos recentes, entre 2002 e 2022, ou seja, em apenas 20 anos, a impressionante marca de 36 ataques a escolas, que resultaram em 164 vítimas, sendo 49 casos fatais e 115 pessoas feridas. Entre os mortos, muitas crianças e jovens e seus professores, que ali estavam para preparar nosso futuro de modo esperançoso.
E o que se vê, quando se põe um olhar mais apurado sobre as motivações desses hediondos atentados, é que não se trata apenas (como se isso não fosse o bastante) de violência nas escolas, contra alunos, professores e funcionários, mas uma ação mortal contra a escola enquanto instituição . Tem-se descoberto que os ataques guardam vínculos estreitos, orgânicos, com o extremismo de direita, que está sempre na retaguarda de seu planejamento. Isso se prova não apenas no Brasil, como também em vários episódios registrados no exterior, a exemplo dos Estados Unidos.
Muitos dos ataques a escolas no Brasil são característicos de “crimes por imitação”, em que seus protagonistas miram-se em atentados ocorridos bem distantes daqui, inspirando-se para a repetição. Exemplo claro desse miserável ensinamento, é o atentado a uma escola de realengo, no Rio de Janeiro, em 2011, e outro em Suzano, no Espírito Santo, em 2019, ambos inspirados no histórico atentado de Columbine, nos Estados Unidos, que se tornou um referencial dramático para esse caos.É o extremismo que determina seu modo de agir e influencia pessoas, quase sempre jovens, no seu dia-a-dia da internet e redes sociais, para externar suas frustrações, seus instintos e suas práticas de ódio. A Câmara dos Deputados do Brasil, finalmente, toma uma atitude necessária, de vanguarda, no que merece parabéns.