José Osmando

Coluna do jornalista José Osmando - Brasil em Pauta

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Armas nas mãos do povo geram tragédias familiares e alimentam facções

O lamentável registro desta semana, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, dá bem a dimensão do que foi essa política irreponsável do governo passado, ao liberar o acesso de armas e municções à população.

O lamentável registro desta semana, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, dando conta de que um integrante de CACs (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores) rendeu a própria família, mantendo-a em cárcere privado por longas horas e depois resolveu assassiná-la, matando a tiros o pai, um irmão, dois policiais, e deixando feridas outras sete pessoas, incluindo a mãe e uma cunhada, dá bem a dimensão do que foi essa política irresponsável do governo passado, ao liberar o acesso de armas e munições à população.

Entre os sete feridos a tiros, Cleres Crippa, a mãe de 70 anos, e a cunhada, Priscila Martins, de 41 anos, seguem internadas em UTI de hospital. Um policial morreu durante o confronto com o criminoso e outro faleceu no dia seguinte em decorrência dos ferimentos. O pai do criminoso, Eugênio Crippa, tinha 74 anos, seu irmão, Everton Luciano, 49, e os dois policiais mortos (Everton e Rodrigo) contavam apenas 31 anos de vida.

Diz a imprensa, conforme relatos da apuração, que Edson Fernando Crippa tinha histórico de esquizofrenia, já tendo passado por quatro internações em decorrência desse problema de saúde, mas uma coisa está clara: os problemas mentais que ele apresentava não constituíram, aos olhos dos aparelhos de segurança e monitoramento, qualquer obstáculo para que ele não apenas se inscrevesse num Clube  de Tiro, mas tivesse autorização para adquirir e portar quatro armas de fogo em seu nome pessoal.

Após a tragédia, a polícia encontrou quatro armas e forte munição. Entre as armas, uma é uma pistola de 9 mm e outra calibre .380, e mais duas espingardas. O homem tinha registro como colecionador, atirador desportivo e caçador, uma das pistolas era registrada no SIGMA (Sistema de Gerenciamento de Armas), no Exército, e outra estava registrada no SINARM (Sistema Nacional de Armas, no Registro Normal. 

A polícia conseguiu obter a documentação exigida pela legislação, dentre elas o "laudo de aptidão psicológica para manuseio de arma de fogo e o comprovante de capacidade técnica", documentos datados de 19 de junho de 2020, assinados por profissionais credenciados junto à Polícia Federal, conforme diz comunicado do Exército.

Toda essa desgraçada iniciativa de armar a população brasileira, sob a falsa argumentação de preparar os "cidadãos para sua defesa", foi iniciada por decisão pessoal do ex-presidente Jair Bolsonaro, logo nos primeiros meses de seu mandato, em 2019. As licenças para compra e uso de armas, desde a posse até final de 2022, quando acabou o governo, aumentaram sete vezes e o Brasil viu implantados mais de 220 mil CACs somente em 2022, ano em o ex-presidente tentava sua reeleição à Presidência.

Ao final de 2018, próximo à posse presidencial, que se daria em janeiro de 2019, o Brasil possuía 117,5 mil pessoas com registros CACs, ou seja, aptas a usar armas. Ou seja, eram 56 brasileiros a cada grupo de 100 mil pessoas possuindo licença para armas. Ao final de 2022, esse número subiu para espantosos 783,4 mil pessoas, ou seja, 386 ficaram aptas a cada grupo de 100 mil. 

Não será coincidência o fato de que o Rio Grande do Sul, junto com São Paulo, Paraná e Santa Catarina, detém o maior volume de licenças de uso de armas de fogo do país. Levantamento obtido junto ao Sistema Nacional de Armas, no segundo semestre de 2023, mostra que o Rio Grande do Sul é o segundo Estado brasileiro com maior número de registros, nada menos do que 108.787, ficando abaixo apenas de São Paulo, que possui 193.477, ficando o Paraná em  terceiro, com 78.179 e Santa Catarina com 74.875.

Além de não ter trazido qualquer melhora na segurança da população, o que por si já derruba o argumento de que essa triste iniciativa viria para proteger pessoalmente o cidadão, vê-se com bastante transparência que o Governo Federal, sob Bolsonaro, apenas se eximiu do seu papel constitucional, de fazer o Estado brasileiro dar a segurança que cada pessoa merece em cada canto do país, e espalhou nas mãos das pessoas, muitas delas inaptas e incapazes, armas perigosas, que têm resultado, com frequência, em tragédias sem comparação.

Ao olhar para esse caso de São Leopoldo, desta semana, nossa memória ainda está fresquinha para para lembrar o que ocorreu há pouco mais de uma semana no interior da Bahia, onde um estudante de 15 anos, de escola pública, sacou de uma arma (pertencente ao pai), em plena sala de aula e matou três colegas, todos de 15 anos, e depois tirou a própria vida.

E é tragédia que não fica apenas nas lágrimas de famílias que vêm as vidas de seus entes queridos serem furtadas de modo repugnante. Não fica apenas, se isso já não fosse o mais deplorável da vida humana, no ambiente das escolas ou dos próprios lares. As armas liberadas irresponsavelmente aos Clubes de Tiro, estão chegando a cada dia em maior volume e em mais intensa velocidade às mãos das facções criminosas.

Um levantamento produzido e divulgado pelo Instituto Sou da Paz, revela que desde 2019 e até 2022 foram desviadas 6 mil armas. E para se ter uma dimensão  do que isso significa e sobre o destino dessas armas, 3.873  delas, apreendidas pela Polícia de São Paulo em 2020, constavam nos registros do Exército como sendo de domínio dos CACs.

Tão logo assumiu o Governo, em 2 de janeiro de 2023, o Presidente Lula revogou praticamente todos as normas liberalizantes sobre armas de fogo implantadas por Bolsonaro, e instituiu novos regramentos que o então ministro Flávio Dino buscou implementar, o que gerou uma redução inicial tanto em relação a novas autorizações, quanto no que diz respeito aos desvios de armas nos CACs.

Mas isso não parece bastar. Penso que é necessário, a partir de janeiro, quando o controle de concessões passa do Exército para a Polícia Federal, possa haver mais dureza, mais severidade, para que os CACs e as armas não possam mais servir às facções criminosas, e possamos reduzir esse acesso pela população, acabando com as tragédias familiares e o domínio do crime organizado. 

Verdadeiramente, não dá mais para suportar.

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