José Osmando

Coluna do jornalista José Osmando - Brasil em Pauta

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Assusta ver um juiz metido com trabalho escravo

Uma operação realizada nesta terça-feira em Florianópolis (SC) cumpriu mandados de busca e apreensão na residência de desembargador de SC

Uma operação realizada nesta terça-feira em Florianópolis, SC, para cumprir mandados de busca e apreensão na residência do desembargador José Luiz Borba (no Tribunal de Justiça desde 2008), põe em estado de alerta uma realidade que vem sendo tratada e combatida com frequência, e constitui uma prática hedionda no país. A ação contra o integrante do Tribunal de Justiça, a mais alta corte do judiciário catarinense, decorre das investigações de que ele está vinculado à prática de trabalho escravo. 

É exatamente disso, que é uma das maiores violações de direitos humanos da atualidade, e que persiste no Brasil de maneira progressiva, que estamos tratando. E é a presença de um cidadão, cuja missão profissional é promover justiça, que nos causa espanto e severa apreensão. Ora, se até um magistrado pode ter a audácia de cometer ato de tamanha perversidade, o que esperar de outras pessoas que não tiveram ou não quiseram ter qualquer enriquecimento moral, ético e humanista, interessadas apenas em fazer crescer seu patrimônio? 

Crime secular

É espantoso tomar ciência de práticas dessa natureza, sobretudo partindo de gente que tem o dever moral, profissional, institucional, de evitar que o trabalho análogo à escravidão seja cometido em território brasileiro, e não apenas pela omissão ou vista grossa do julgador, mas por sua participação, conforme se suspeita e se investiga. Sim, porque o ruralista ganancioso, desinformado, ignorante, pode até não reconhecer que a Escravidão foi abolida no Brasil, pela Lei Áurea, em 13 de Maio de 1988.  Mas nunca a um juiz caberia um mínimo de desconhecimento sobre isso. Trabalho escravo em território nacional é crime já há 135 anos. 

E se falha a justiça, se até magistrados são capazes de associar-se ao crime, que esperança pode ter a sociedade de que tal prática desprezível possa ser erradicada do nosso convívio? 

Número recorde

Operações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego têm feito o resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão em quase todo o território nacional, com maior presença de vítimas nos Estados do Sul e Sudeste. Somente nos primeiros meses de 2023, cobrindo só até 20 de Março, as ações do ministério, com apoio da PF, conseguiram resgatar 918 trabalhadores em situação de escravidão, representando uma alta de 124% em relação ao mesmo período de 2022. O número é recorde para um período em 15 anos, superado apenas pelo recorde atingido em 2008, quando 1.456 pessoas foram resgatadas em três meses. 

Durante os anos de 2018 a 2022, com o enfraquecimento dos órgãos de investigação e resgate, graças aos cortes orçamentários que inviabilizavam as operações, houve uma queda acentuada no quantitativo de pessoas resgatadas. Mesmo assim, durante o ano de 2021, foram encontradas 1.937 pessoas em situação escrava, um número bastante elevado, apenas superado pelos 2.808 trabalhadores escravos resgatados no ano de 2013. 

Violação de direitos

Em 1995, a existência de trabalho análogo à escravidão foi assumida pelo Brasil perante a Organização Internacional do Trabalho, o que fez com nosso país se tornasse uma das primeiras nações do mundo a reconhecer essa vergonhosa prática. Daí, haver o Brasil se comprometido oficialmente a desenvolver esforços pela erradicação. Isso permitiu que até 2016 mais de 50 mil trabalhadores fossem libertados dos campos de plantações de cana-de-açúcar, café, maça, uvas e outas colheitas, e também na pecuária, sobressaindo-se nesse contexto de anormalidade Estados como Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás. 

O trabalho escravo não é apenas uma violação trabalhista, que suprime direitos a salários, férias, condições humanamente compatíveis ao exercício das atividades do trabalhador, mas uma atividade que acomete a dignidade e a liberdade das pessoas, mantendo-as submissa a uma condição de pobreza extrema e de exploração inconcebível.

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