Apesar dos avanços extraordinários que Brasil e China vêm demonstrando nas suas relações diplomáticas e comerciais, como a assinatura nesta semana de 37 acordos bilaterais de negócios importantes para os dois países, o Governo Lula segue reticente quanto a entrar na Nova Rota da Seda, o trilionário projeto chinês implantado em 2013, e que consiste na realização de obras e investimentos para ampliar a presença dos asiátios no mercado mundial.
Mesmo que o ato de abraçar a Rota seja garantir o aporte de enormes valores financeiros para obras estruturantes essenciais ao Brasil, resiste-se a esse apelo chinês, por questão literalmente pragmática e por estatégia nas relações com outros parceiros internacionais. E essas razões têm natureza geopolítica e econômica, evidentemente. A China é forte concorrente nas áreas em que pretende investir no Brasil e em outros países da América, ocupando mercados que antes eram de brasileiros e latinos. O segundo ponto dessa não-adesão está na necessidade planejada de manter boas relações com os Estados Unidos e muitos países da Europa, que são importantes receptores de manufaturados e de produtos agropecuários brasileiros.
A Nova Rota da Seda atua fora da China com fortíssimos investimentos em obras estruturantes, como rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, produção e transmissão de linhas de energia, gasodutos e oleodutos . E faz isso de modo eficiente e prático, permitindo objetivamente conectar a Ásia à Europa. Agora luta, com notável êxito, para expandir essa presença na América Latina, tendo o Brasil como eixo primordial, para também fazer essa conexão com nosso continente.
A China está de olho na América Latina. E desde 2022 já conta com adesão de aproximadamente 20 países da região, incluindo a Argentina, o que sinaliza que muito dificilmente o Brasil vai poder resistir por muito tempo a essa adesão, por uma questão política bastante lógica. Se a China, por seu presidente Xi Jinping, trata todo mundo com sorrisos e bolo no prato, a mesma demonstração de simpatia não se enxerga na postura do próximo eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que assume o poder em janeiro de 2025 disposto a uma briga comercial e diplomática, sem precendentes, com os chineses.
No campo oposto, Trump não acena com nenhuma atração a esses países, optando por um comportamento autoritário, isolado, arrogante, como, por exemplo, aumentar significativamente as tarifas sobre as importações de países que aderirem à Rota da Seda.
Nada menos do que 147 países já aderiram ou manifestaram interesse em integrar o plano da Rota da Seda, representando dois terços da população mundial e 40% do PIB global, numa perspectiva de que haja uma transformação, para melhor, do panorama, da infraestrutura e da economia dessas nações que se juntarem no projeto. A pergunta que se faz é simples: como esses quase 200 países aliados da China reagirão às retaliações impostas por Donald Trump se todos não estiveram juntos, unidos e decididos?
Daí, vê-se que a forma como o Presidente Lula está caminhando, avançando nos laços de fortalecimento do Brasil com a China, são um prenúncio de que não está longe essa adesão e, por outro lado, servindo também como uma mensagem diplomática de que os Estados Unidos,a despeito de Trump, terá que respeitar a soberania e os interesses dos países, sobretudo na Amércica Latina e Caribe.
Nos acordos celebrados nesta semana entre Brasil e China, praticamente todas as áreas estratégicas estão amparadas, mas chama a atenção, especialmente, um acordo com a chinesa SpaceSail, que desenvolve serviço de internet, por satélite, e é nada menos do que a maior concorrente mundial da empresa Starlink, pertencente ao bilionário sul-africano Elon Musk. Ele é aliado de primeira linha de Trump, um dos maiores financiadores de sua campanha à Presidência, uma espécide de idealizador/coordenador mundial das estratégias de comunicação da extrema direita, e foi recentemente anunciado pelo futuro presidente como o ocupante do futuro Departamernto de Eficiência Governamental, que terá, ao que se informa, um orçamento de US$ 2 trilhões.
Como a Starlink tem presença no Brasil, por concessão do governo anterior a Lula, chegando com a promessa de interligar todas as escolas públicas da Amazônia à internet- algo que nunca aconteceu-, tem-se por certo que esse é um ponto sério de atrito com o futuro governo americano, o que, na prática, obrigará o Brasil a estar sempre mais próximo dos chineses.