Nesta semana que termina, a Câmara Federal aprovou a revisão da Lei das Cotas, atualizando uma das medidas mais corretas e avançadas instituídas pelo Brasil no campo da educação superior, especialmente no contexto da universidade pública.
Desde a instituição da lei, foi decidido que a cada dez anos, a política de cotas deverá passar por uma avaliação, com monitoramento anual. Essa é, portanto, a primeira reavaliação, feita pela Câmara, preservando-se os seus fundamentos básicos.
Essa lei, sancionada pela Presidente Dilma Rousseff em 2012, cumpriu, em dez anos, o papel extraordinário de mudar o perfil do ensino superior, ao garantir a reserva de vagas nas universidades públicas e sistemas federais para estudantes que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas, com tratamento especial, além disso, para negros, pardos, indígenas, com deficiência e de baixa renda.
A Lei n°12.711/2012, estabelece que 50% das vagas de universidades e instituições federais devem ser reservadas a alunos que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. Destes 50%, metade é destinada a estudantes com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. As vagas ainda devem ser preenchidas por pretos, pardos, indígenas (PPI) e pessoas com deficiência.
REPARAÇÃO HISTÓRICA
A criação do sistema de cotas está ligada à necessidade de reparação histórica. O Brasil é marcado por mais de 300 anos de escravidão, mas mesmo com o fim do regime escravocrata, a população negra não foi contemplada com políticas que assegurassem sua inclusão na sociedade. Os negros foram marginalizados e as desigualdades estruturadas. Nesse cenário, as cotas, que são ações afirmativas, visam corrigir as disparidades sociais, econômicas e educacionais que colocam grupos vulneráveis distantes de seus direitos, como no acesso à educação superior.
Além de possibilitar que grupos socialmente vulneráveis quebrem a barreira de espaços excludentes, a ação afirmativa é importante para a democratização do acesso ao ensino superior.
Trata-se de um magnífico avanço, transformando-se numa das leis mais exitosas na história do Brasil, em termos de inclusão social e racial.
A Lei de Cotas foi resultado de lutas sociais ocorridas muitos anos antes de sua existência. Já nos anos 2000, surgiu o movimento de diversas faculdades federais e estaduais para implementação de ações afirmativas para pessoas negras.
ACESSO À UNIVERSIDADE
Tem sido, assim, pela vigência dessa lei, que estudantes pobres e negros, a exemplo de filhos de lavadeiras, faxineiras, cortadores de cana e outras categorias inferiorizadas na sociedade, puderam ter acesso à universidade e conquistar profissões de nível superior.
Na exata semana em que a Câmara Federal faz a necessária e merecida revalidação da Lei de Cotas, vem um exemplo belíssimo do significado social, político e humanitário, do valor que esse instrumento trouxe à mudança para melhor da universidade pública.
Em Alagoas, um moço chamado Maurício Bernardo da Silva, de apenas 23 anos de idade, formou-se em Medicina, após passar seis anos no curso da Universidade Federal de Alagoas, campus do município de Arapiraca.
Isso não seria notícia, não fosse Maurício filho de um “boia-fria”. Seu pai, João Vicente da Silva, de 47 anos, levou 35 anos de sua vida sofrida dedicado dia-a-dia ao corte da cana-de-açúcar nas usinas do Estado, num trabalho degradante que lhe roubou a própria infância, pois entrou para esse serviço penoso quando tinha pouco mais de 10 anos de vida.
A primeira decisão do jovem médico Maurício, anunciada com emoção no momento da formatura, foi aposentar o pai, livrando-o para sempre do trabalho martirizante a que se dedicava de sol a sol.
ENEM
E nesse momento de aumento da relevância do sistema de cotas nas universidades, vale trazer à lembrança de todos outro avanço significativo do Brasil.
Falo do ENEM, esse modelo que serve desde 2009 para mensurar a qualidade do ensino médio brasileiro e contribuir de maneira exemplar para democratizar o acesso à universidade, beneficiando estudantes de todas as partes do país.
Pois vem bem. O ENEM não serve apenas para facilitar a vida de quem conclui o ensino médio e quer entrar numa faculdade brasileira, tanto pública quanto privada.
As notas obtidas no ENEM também podem servir de porta de entrada para processos seletivos de universidades do exterior. Há uma lista expressiva de universidades estrangeiras que já aderiram a essa grande invenção que o Brasil fez nascer.