José Osmando

Coluna do jornalista José Osmando - Brasil em Pauta

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Nêgo Bispo morre, mas pode ver Zumbi ter reconhecimento Nacional

Embora vivendo pouco, pelo muito que ainda poderia deixar de legado aos brasileiros, Nêgo Bispo teve a chance de viver o bastante para testemunhar um reconhecimento importantíssimo de sua pregação

Morreu ontem o escritor e ativista Nêgo Bispo, uma das vozes mais expressivas da luta pelo reconhecimento e valorização do negro na sociedade brasileira, autor de importantes livros sobre o tema e uma voz altiva em conferências e entrevistas que realizou ao longo da vida, sempre visto com muito respeito e admiração.

Nascido no Vale do Rio Berlengas (Francinópolis , no Piauí, em 1959, viveu grande parte de sua vida na comunidade Saco-Cortume (São João do Piauí), e nos  seus pouquíssimos 64 anos de vida, Nêgo Bispo deixa um legado extraordinário a ser seguido por ativistas das causas negras e milhares de admiradores espalhados por esse Brasil afora. Ele foi o primeiro integrante de sua família a ter acesso à alfabetização.

Nêgo Bispo manifestava um sentimento forte que guiava sua luta, ao dizer “Eu vou falar de nós ganhando, porque para falar de nós perdendo eles já falam”.

Ele estava muito correto nesse seu desejo de luta, porque não apenas enxergava e sofria na pele a terrível desigualdade sofrida pelos negros em todos os campos da vida, mas porque via a necessidade de que a luta que lideranças negras travaram ao longo da história- que significam vitórias, quase todas escondidas da escola, do aprendizado, do conhecimento público por aqueles que desejam manter a visão de que o negro é incapaz, inferior-, precisavam vir à tona, para que todos possam ir conhecendo uma história diferente.

LEGADO AOS BRASILEIROS

Pois aí está. Embora vivendo pouco, pelo muito que ainda poderia deixar de legado aos brasileiros, Nêgo Bispo teve a chance de viver o bastante para testemunhar um reconhecimento importantíssimo de sua pregação. Nesse último dia 29 de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que o Senado originariamente já havia aprovado, tornando o 20 de Novembro o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, cabendo agora apenas a sanção do Presidente da República.

Vê-se, aí, uma boa oportunidade de se cumprir aquilo que ele pregava, de “falar das nossas coisas boas, porque das ruins eles já falam”, pois Zumbi é sem qualquer dúvida um dos marcos mais extraordinários da luta corajosa e desigual dos negros por libertação e respeito, enfrentando por anos a brutalidade de homens armados, municiados por mandatários dos governos e senhores das terras, com a perda de milhares de vidas, inclusive do próprio guerreiro Zumbi, emboscado e assassinado em 20 de novembro de 1695.

Embora Zumbi já fosse reconhecido em poucos Estados e algumas cidades do país, esse reconhecimento do Congresso Brasileiro ocorre 328 depois da morte do maior líder quilombola que o Brasil conheceu, talvez até como sinal de aprovação à luta que Nêgo Bispo empreendeu durante toda sua vida, para que o negro passe a ser visto e considerado com o necessário e devido respeito, elemento importante na formação do Brasil e nas suas mais diversas etapas de desenvolvimento.

Nêgo Bispo, que agora nos deixa, foi um intelectual expressivo e respeitado, filósofo, poeta, escritor, professor e ativista político, com atuação incansável nos movimentos sociais e na organização dos mecanismos de defesa da vida e cultura dos povos quilombolas. Escreveu livros e artigos acerca da história de luta do povo negro e compôs o conceito de “contra-colonialismo”, uma ideia para reforçar cultura, práticas, organização social e demais manifestações coletivas de povos colonizados contra os esforços e manipulações impostos pelos colonizadores. Um de seus primeiros e mais notáveis livros é “Quilombos, modos e significados”, publicado em 2007.

Deixa uma contribuição inestimável para a compreensão e a preservação da cultura de identidade quilombola, e a simbologia de luta que essas populações devem manter na busca por seu reconhecimento e pela reparação social.

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