No seu formidável livro “Tambores à Distância – Uma viagem ao centro da extrema direita mundial”, o jornalista e escritor Joe Mulhall, um dos principais especialistas em grupos de extrema direita no Reino Unido, cuja obra teve a edição brasileira lançada na metade do ano passado, já nos advertia que a extrema direita está de volta, com sérias e reais ameaças aos direitos e liberdades que antes imaginávamos garantidos.
E isso está bem pertinho de nós, brasileiros. A vitória, com quase 32%, nas eleições primárias da Argentina, do extremista de direita Javier Milei, que poderá levá-lo a ser presidente do nosso vizinho país, reforça o prognóstico levantado por Mulhall, tornando-o bastante evidente. O extremista argentino é daqueles que despontaram para a política e para essa evidência que agora se vê, com discursos do tipo, “queimar o Banco Central vai acabar com a inflação”, a venda de órgãos humanos pode ser “mais um mercado”, os políticos “devem ser chutados na bunda”.
O discurso de Javier Milei, com sua figura deselegante, desalinhada, propositadamente diferente do tradicional, é igualzinho ao de Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro, no Brasil, de extremada oposição e combate às instituições, à política, aos poderes, pregadores de um ufanismo assombroso de Deus, liberdade e família, postando-se como salvadores da pátria. Foi isso o que vimos no Brasil e nos Estados Unidos, e estamos vendo em outros países, europeus, sobretudo, onde essas inclinações fascistas despontam com força. Vimos nos discursos de campanha e nas práticas políticas ao chegarem ao governo, reveladoras de um desastre cujas consequências ainda hoje amargamos e nem sabemos quando terminarão.
MILEÍSMO
Nada disso é novo, embora esse empoderamento seja mais recente. O trumpismo e o bolsonarismo, e agora o “mileísmo”, ou seja lá que denominação se queira dar a isso, já existiam muito antes da eleição do presidente americano, do presidente brasileiro e dessa agora tentativa de eleição de Javier na Argentina. Grupos radicais de extrema direita vêm se organizando a partir de subculturas marginais, nas mais diversas partes do mundo, há muitos anos.
Foi nessa onda que em 2020 cerca de 2 bilhões de pessoas, em diferentes países, estavam vivendo sob governos de inspirações fascistas, dentre eles, EUA e Brasil. E mesmo diante do alento de que Trump e Bolsonaro foram derrotados nos EUA e no Brasil- o que significa um revés merecedor de comemoração, não se pode ignorar que em grande parte do universo sociedades estão se afastando de normas liberais duramente conquistadas, e avanços progressistas e democráticos têm sofrido ameaças e abalos, diante de sociedades cada vez mais fragmentadas, divididas e anti-igualitárias, alimentadas por um ódio crescente.
SOCIEDADES DESIGUAIS
As razões causadoras desse ambiente indesejável são diversas, complexas e de difícil explicação, mas não podemos afastar dessa tragédia os descaminhos, os efeitos negativos da globalização e da economia neoliberal, cujos resultados estão servindo para estratificar grupos privilegiados e formar sociedades cada vez mais desiguais.
Não tendo capacidade de atender às necessidades e apelos de vastas camadas da população, necessitadas do amparo do Estado, tais elites políticas, na quase totalidade do planeta, foram determinantes para levar, por suas práticas insensatas e insensíveis, milhões e milhões de pessoas ao fundo do poço, à ausência de oportunidades, ao analfabetismo, à fome e à descrença.
E daí, essas multidões empobrecidas e desvalidas, ao pensarem que não tinham e não têm saída, tiveram e estão tendo às suas vistas um passo curto para se jogarem nos braços da direita radical ou da extrema direita, cujos discursos vão no sentido de aniquilar o tradicional, a política e a instituição, como castigo por haverem gerado tanta desgraça.
Esse, na minha visão, é o dramático quadro que temos aos nossos olhos. Ou os dirigentes mundiais reformulam o capitalismo dominante, freando esse liberalismo desastroso e mortificante, ou a extrema direita não vai parar de avançar.