Parlamentares brasileiros, com forte influência dentro da Câmara e do Senado, seguem no empenho de estimular o uso de armas de fogo entre a população, sempre dispostos a barrar iniciativas governamentais que tenham por objetivo conter esse armamentismo que ganhou força a partir de 2018 e recrudesceu sob o governo passado, quando foram editados decretos que facilitaram a entrada de armas e munições vindos do exterior e se criaram normas de estímulo à implantação dos CACs ( clubes de colecionadores, atiradores e caçadores).
Com a política pró-armamento imposta pelo governo anterior, os CACs registraram um salto extraordinário, inédito na história do país, pulando de 117.467 em 2018, para 673.818 no ano de 2022, último do mandato Bolsonaro, aumentando em quase seis vezes no período de cinco anos. Na Câmara e no Senado cresceu o número de parlamentares comprometidos com essa proliferação de armas e munições, eleitos no rastro do bolsonarismo, nas eleições de 2018. Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica a eleição de 34 policiais militares no pleito passado. Juntando-se aos demais que lá se encontravam, hoje formam a segunda maior bancada da Câmara, com 266 do conjunto de 513 deputados. Só perde em tamanho para a bancada da Agropecuária.
Esse grupo de parlamentares tem mostrado força no Parlamento. Não é sem propósito, por exemplo, que o chamado “Imposto do Pecado”, uma proposta apresentada pelo Governo, na esteira da reforma tributária e que visava taxação extra para a indústria de armas de fogo, munições e também de bebidas alcóolicas, sofreu severa reprimenda da bancada da bala e foi retirada do texto da proposição. O Governo vai insistir na implementação desse “imposto do pecado”, através de lei complementar a partir de 2024, mas certamente essa tributação seletiva vai encontrar grande barreira nas bancadas de “segurança” ou da “bala”, como se queira denominar, que não medirá esforços para impedir que a medida seja aprovada.
Penso que o governo está correto em insistir na tese da tributação sobre armas e munições, por entender que o preço dos produtos, junto ao consumidor, deve refletir de fato os aspectos negativos que eles geram junto à população.
Esta semana, por exemplo, em São Paulo, numa área considerada nobre, habitada por pessoas de alto poder aquisitivo, ocorreu uma tragédia que retrata muito bem o uso inadequado de armas de fogo por civis. Uma investigadora da Polícia Civil, Milene Bagalho Estevam, de 39 anos, dos quais sete dedicados a desvendar crimes, foi assassinada a tiros de arma pesada, disparados por Rogério Saladino, empresário, dono de uma mansão de luxo, que atirou contra a policial ao confundi-la com assaltante. Ele e um vigilante da mansão acabaram mortos no confronto com os policiais.
Detalhe dessa tragédia, que se encaixa com o que estamos aqui tratando: O empresário que matou a jovem policial, que deixou para traz uma vida profissional repleta de elogios e uma filhinha de apenas cinco anos de vida, era um CAC. Isto é, um integrante de clube Caçador, Atirador, Colecionador, que investiu em armamentos amparado pela flexibilização das armas de fogo pelo governo passado, os mesmos governantes que criaram estímulo para que os clubes de tiros se espalhassem de forma escandalosa e perigosa pelo Brasil.
Nesse terreno delicado, que tem trazido consequências mortais e gerado insegurança, contrariamente à proteção que os defensores do armamentismo apregoam, o Governo Lula tem agido com firmeza, tendo no ministro Flavio Dino, no Ministério da Justiça e Segurança, uma atuação eficiente, quer do ponto de vista de medidas legais, quer através de ações operacionais que visam reprimir a criminalidade e retirar armas das mãos de civis.
Apesar dessa atuação, alguns governos estaduais e até municípios adotam leis próprias, de sua iniciativa, para ter poder sobre o controle de armas e armamentos, retirando da Polícia Federal atribuições legalmente firmadas na Constituição. Por conta disso, então, a Advocacia Geral da União entrou ontem no STF contra sete Estados e um município que adotaram leis que facilitam o acesso e porte de armas. Têm leis próprias nesse sentido, em flagrante afronta à Constituição Federal, os Estados do Mato Grosso do Sul, Sergipe, Paraná, Alagoas, Espírito Santo, Minas Gerais, Roraima e o município de Muriaé(MG).
Em quase todas as legislações de Estados e desse município mineiro, está contido o amparo aos CACs, protegendo seus integrantes quanto à legalidade da compra e uso de armas e munições. No questionamento ao STF, a AGU sustenta que as leis estaduais e municipal questionadas apresentam risco de suprimir indevidamente a competência da Polícia Federal para averiguar a comprovação, por cada interessado, da efetiva necessidade do porte de arma de fogo de uso permitido.