No episódio da detenção do ex-deputado Valdemar Costa Neto, esta semana, em um quarto de hotel (onde reside), em Brasília, algo me chamou bastante a atenção. Além da arma encontrada em seu poder, sem documentação legal, portanto sem direito a uso e porte, e que a Polícia Federal levou em conta para a detenção, foi ter a PF também se deparado com uma pepita de ouro, de pequeno tamanho, o motivo maior da minha curiosidade.
O que faz o presidente do maior partido político com assento na Câmara dos Deputados, agremiação partidária, aliás, à qual está filiado o ex-presidente da República, ter em seu poder um pedaço de ouro primário, originário de garimpo ilegal, conforme descrição da própria Polícia Federal?
Os relatos dos policiais federais que apreenderam a arma descrevem a pepita como tendo sido extraída de garimpo ilegal, com aproximadamente 39 gramas e teor aproximado de 91,76% de ouro contido e cujo valor seria de aproximadamente de R$ 11.687,71.
Os mais apaixonados ou apressados em fazer a defesa do presidente do PL poderão chegar com o argumento de que o valor de pouco mais de R$ 11 mil é insignificante para estabelecer qualquer critério de condenação a Valdemar Costa Neto.
Não é disso que se trata. Esse achado leva o cidadão detido com a pedra a uma grave conexão: a pepita provém de garimpo ilegal, uma praga danosa que se abateu sobre o Brasil e que está retirando, de maneira criminosa, o ouro extraído, também criminosamente, das terras pertencentes às populações indígenas, com avanço descomunal nos territórios da Amazônia e todo o Norte do país.
O garimpo ilegal toma conta das áreas amazônicas de maneira espantosa. A mineração clandestina aumentou 1.217% e as áreas atingidas saíram de 7,45 km², para 102,16 quilômetros quadrados. De acordo com o Instituto Nacional e Pesquisas Espaciais (INPE) e da Universidade do Sul do Alabama, nos Estados Unidos (publicados na revista Remote Sensing), quase todo o garimpo ilegal (95%) está assentado em terras indígenas dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami. Foi na reserva dos povos Yanomami, em março de 2023, que o governo Lula detectou a maior tragédia humana praticada contra esses indígenas, que gerou verdadeiro clamor mundial.
O ouro e outras minerais preciosos, de elevado valor comercial, são extraídos clandestinamente dos territórios indígenas e contrabandeados para o exterior. Os garimpeiros ilegais do Brasil juntam-se ao tráfico internacional, montam pistas de pouso de aeronaves no meio das florestas, através das quais recebem os mantimentos e utensílios de que precisam e mandam para o exterior, em prejuízo absoluto para o Brasil, os produtos brutos que conseguem extrair.
Tem havido um esforço enorme do governo e de setores avançados da sociedade civil no sentido de impedir a validade do chamado Marco Temporal, uma proposta desgraçada, engendrada por fazendeiros e setores liberais da direita, que na prática impede que as populações indígenas tenham o direito de ocupar suas terras de origem. A proposta foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e depois aprovada pelo Senado. O Presidente Lula vetou a inciativa do Senado, mas em dezembro, ao apagar das luzes do ano legislativo, os senadores derrubaram o veto do Presidente da República, num desafio ao governo e uma afronta ao STF.
Há um dado significativo nas votações do Marco Temporal, tanto na Câmara quanto no Senado: os integrantes do PL, partido presidido por Valdemar Costa Neto, aliados a parlamentares do Centrão, votam maciçamente a favor da proposta que prejudica as populações indígenas. Com seus votos, subliminarmente, estimulam as invasões incessantes de terras e contribuem para que as facções criminosas, de mãos dadas com o narcotráfico internacional, tomem conta da Amazônia.
Parlamentares que ficam ao lado do Marco Temporal desconhecem o senso comum da relação entre povos indígenas e preservação de florestas, numa quadra da história em que o mundo pede socorro e clama por equilíbrio ecológico para sobreviver. Diversos estudos da Organização para Alimentação e Agricultura(FAO) e do Fundo para Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e Caribe (FILAC) mostram que as taxas de desmatamento são expressivamente mais baixas em territórios indígenas onde há reconhecimento formal dos direitos às terras, por parte dos governos.
Um dos mais recentes estudos da ONU mostra que 45% das florestas intactas do planeta encontram-se nos territórios indígenas. E que os territórios indígenas livraram o Brasil, Bolívia e Colômbia da emissão de 43 a 60 milhões de CO2.
Não é à toa o indicativo utilizado pelo estudo divulgado pela ONU: 45% das florestas intactas encontram-se nos territórios indígenas. O mesmo relatório acima revelou que os territórios indígenas livraram Bolívia, Brasil e Colômbia de 43 a 60 milhões de toneladas da emissão de CO2. Isso seria o mesmo que retirar 13 milhões de automóveis de circulação por ano.