José Osmando

Coluna do jornalista José Osmando - Brasil em Pauta

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Reforma tributária expõe demagogia e o poder do lobby econômico

A votação da reforma tributária revelou uma dinâmica de pressões intensas sobre os legisladores, evidenciando como o lobby empresarial pode influenciar decisões cruciais para milhões de brasileiros

A recente movimentação dos parlamentares brasileiros na tão aguardada regulamentação da reforma tributária, mostra de maneira cristalina, profunda e escancarada, o poder que o lobby- construído por fortes segmentos empresariais ou grupos organizados-, desempenha sobre a vontade e capacidade de decisão de deputados e senadores, que finalmente decidem conforme a pressão sobre eles exercida.

Na votação de um projeto da magnitude da reforma tributária, histórico anseio de uma enorme sociedade que trabalha, produz a riqueza nacional e paga impostos exorbitantes, mas também o sonho de uma gigantesca coletividade que consome, que se abastece, e quer ver a comida no prato mais barata e espera adquirir bens necessários um pouco mais acessíveis, o que se viu foi uma enorme farra.

A ampliação da lista de produtos livres de tributos, no geral, salvos alguns acertos pontuais, tem toda uma conotação de demagogia, beirando à irresponsabilidade, e demonstra o quanto o lobby de grandes empresas e grupos organizados têm poder sobre cada um desses  parlamentares. Seja de direita, de extrema direita ou de esquerda, a capacidade de ceder às pressões atinge a todos, livre de cor partidária ou convicção ideológica.

Fica bastante esclarecido que o projeto de regulamentação dessa reforma tributária esperada há 40 anos, que dormia em berço esplêndido nas gavetas da Presidência e das Comissões da Câmara, só avançou depois que os parlamentares, talvez até por algum troco, renderam-se às demandas de setores econômicos influentes, além de interesses partidários e eleitorais. Como explicar, por exemplo, que armas e munições fiquem 100% livres de tributação?

Se um dos objetivos da reforma tributária era justamente acabar com o emaranhado de concessões e privilégios que contemplaram até hoje inúmeros setores, colocados em regimes especiais com a finalidade de escapar de impostos, como admitir que praticamente todos os remédios produzidos pela poderosa indústria farmacêutica, fiquem fora de tributação ou tenha seus tributos reduzidos em 60%?

Se essa lógica se aplica aos remédios, que podem resultar em diminuição de preços finais ao consumidor (embora duvide muito disso), como explicá-la sobre a isenção de tributos para quem negocia armas e munições, se o que está contido nessa medida adotada pelos parlamentares, sob comando das bancadas da bala e do boi, é a triste realidade de que vão baratear a violência às custas da população brasileira? Pela decisão tomada, armas e munições não serão considerados produtos prejudiciais à saúde humana. Difícil entender.

O resultado dessa reforma recém-aprovada – embora considere, por justiça e honestidade, que há avanços importantes e que foi vencido um ciclo histórico de negligência e má vontade-, é que ao lado da demagogia e aproveitamento eleitoreiro que alimentam influentes bancadas, o lobby dos fabricantes de armas e munições e dos produtores de medicamentos saiu plenamente vitorioso. Nunca, em nenhum país algum do mundo, teve-se notícia de tamanha façanha na votação de um único projeto que seria de interesse dos cidadãos.

Correndo por fora, quando muitos foram enganados quanto às possibilidades de que a carne ficasse fora da isenção de tributos, chegou, para receber a medalha de terceiro lugar a Frente Parlamentar da Agropecuária, a mais poderosa da Casa, que exerceu pressão o tempo todo e conseguiu emplacar 18 pleitos do setor nas negociações de isenções fiscais.

Quem vai pagar essa conta, no final da história, será sempre o povo. Pressionado pelo excesso de isenções, e tendo que cumprir as metas fiscais diante de queda de arrecadação que será provocada pelos novos benefícios, o governo certamente elevará tarifas de outros segmentos econômicos, transferindo, obrigatoriamente, esses custos para o consumidor final, ou seja, eu e você, cidadão e cidadã brasileiros.

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