O Brasil deu ontem um passo importante na gigantesca tarefa de reduzir as desigualdades econômicas e sociais dominantes no país, ao ver aprovado no plenário da Câmara dos Deputados o projeto que impõe tributação às grandes fortunas e às chamadas offshores, alcançando suas aplicações financeiras em fundos especiais de investimento, uma dinheirama exponencial quase sempre levada para paraísos fiscais no exterior.
Trata-se de um dos pontos mais significativos da agenda econômica do governo, bastante importante para elevar as receitas dos cofres públicos, mas ainda muito mais importante, por indicar que se começará a corrigir uma distorção absurdamente injusta que é a ausência de obrigação de que os muitos ricos paguem impostos, enquanto a classe média e os mais pobres são atingidos de maneira permanente e progressiva.
Estudos comprovam que as offshores são constantemente utilizadas por sonegadores de impostos para blindar seu patrimônio contra a legislação local, retirando seus recursos de bancos brasileiros e aplicando em bancos localizados em paraísos fiscais, como em ilhas caribenhas e microestados europeus. Essa é uma prática dominante até agora, que deverá ter fim com a aprovação do projeto votado ontem na Câmara, que ainda depende da aprovação do Senado.
ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO
O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi regulamentado e aplicado. A cobrança já é realidade em vários países do mundo, inclusive nos vizinhos sul-americanos Argentina, Uruguai e Colômbia e em diversos países europeus, como a Espanha, por exemplo.
Relatórios da ONU mostram que o Brasil, que herdou da sua colonização europeia, fundada no trabalho escravo, um modelo econômico perverso, segue avançando no terreno das desigualdades sociais, com os 10% mais ricos ficando com 57% da renda total do país, enquanto a classe média vive no sufoco e os mais pobres aceleraram sua caminhada em direção à pobreza extrema, sobretudo nos últimos seis anos.
Um estudo da OXFAM, apresentado no informe “Quem Paga a Conta”, revelou que em plena pandemia do Coronavírus, 73 bilionários da América Latina e do Caribe ( o Brasil muito bem na fita), aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões (equivalentes a R$ 268 bilhões) entre março e junho de 2020. Esse valor acumulado pela grandes fortunas era equivalente a um terço da totalidade dos recursos previstos em pacotes de estímulos econômicos adotados por todos os governantes da região.
REFLEXO NO PIB
Na direção do que a Câmara acaba de aprovar, um estudo recente do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE), da Universidade de São Paulo (USP) mostra que elevar e atribuir tributação sobre os mais ricos para transferir renda aos mais pobres, no sentido da recuperação das atividades econômicas do país, além de melhorar expressivamente a vida dos mais necessitados, elevaria em 2,4% o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
O estudo mostra que uma política de proteção social financiada a partir da tributação do 1% mais rico, que garanta a transferência de R$ 125 por mês para os 30% mais pobres, pode ter um impacto positivo de 2,4% no PIB (Produto Interno Bruto, que é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, por exemplo, ao longo de um determinado período, como um ano ou um trimestre).
Esse estudo da USP vai mais além, ao concluir e defender que a redução da desigualdade tem benefícios em si, uma vez que ela, sabe-se, tem custos que não só têm a ver com o direito à renda e à dignidade humana, mas tem também efeitos políticos, pois a desigualdade tende a criar distorções no próprio sistema democrático.
APELO POPULAR
A medida aprovada pela Câmara tem grande apelo popular. Basta ver, que as pesquisas de opinião pública, quando indicam esse tema, revelam que mais de 70% apoiam a necessidade de taxação das grandes fortunas.
Espera-se, agora, que o Senado dê um mínimo de atenção aos mais extensos segmentos da população, dizendo sim ao que a Câmara já aprovou.