Os episódios que dão conta do surgimento de grupos denominados “ vingadores de Copacabana”, servem para expor de maneira escancarada a falência do sistema de segurança pública do Rio de Janeiro.
Os fatos e as práticas não são novidade para ninguém, nem para os moradores da antiga Capital brasileira, nem para a própria polícia, habituados a viver diante da presença dominante de grupos de extermínio, desde a criação das antigas “ ligas da justiça”, que surgiram lá pelos anos 2.000, e que degeneraram para montagem das milícias, hoje dominantes no cenário carioca.
O que muda, talvez, é a forma e a motivação com que esses grupos vão se vestindo. Enquanto as antigas “ ligas” apareceram sob a inspiração e participação de elementos egressos das polícias Militar e Civil, com a proposta de defender os cidadãos em geral da afronta dos narcotraficantes, esses atuais “vingadores de Copacabana” surgem para defender os moradores abastados de um dos bairros mais importantes, ricos e emblemáticos da cidade. A suposta atuação é contra “ bandidos pobres”, acusados da prática de arrastões contra a população local. E nesse olhar irresponsável e preconceituoso, vê-se bandido em tudo quanto é pobre e negro. E aí vidas de muitos inocentes são tragadas pelo ódio da intolerância.
Na essência, porém, carregam a mesma marca. São todos grupos paramilitares que despontam como protetores, pagos por habitantes ricos desses bairros nobres, tendo como foco moradores pobres, desempregados, geralmente negros, de comunidades vulneráveis da cidade, onde a ausência do poder público é gritante em todos os sentidos.
Os efetivos desses grupos são constituídos de ex-policiais militares e civis, quase todos, mesmo antes de largarem as corporações de segurança, bastante familiarizados com esse modo clandestino de trabalho, pois já atuavam com bom desempenho entre as milícias.
As “ligas da justiça”, deram lastro para a formação das milícias, grupos paramilitares criados por policiais militares e civis da ativa ou da reserva, bombeiros e agentes penitenciários. Eram servidores públicos que largaram as corporações em plena vida profissional ativa, depois de terem se favorecido com qualificação, cursos, treinamentos, táticas de atuação e manuseio de armas pesadas, tudo pago pelo Estado. A síntese trágica é que o próprio erário público pagou para formar os milicianos que iriam largar as hostes oficiais para confrontar o Estado em atividades clandestinas.
FALÁCIA
As antigas ligas da justiça, transformadas em milícias, desviaram-se dos objetivos propostos, de proteger os cidadãos, na falácia de não permitir a entrada do narcotráfico nas comunidades, para rapidamente submeter os moradores dessas comunidades à submissão a seus interesses financeiros, cobrando proteção de comerciantes e prestadores de serviços de transporte alternativo, exploração da venda de gás, de televisão, internet e até instalação de energia solar.
O que está surgindo agora em Copacabana é, certamente, uma reedição das antigas ligas. Ou seja, mais um reforço ao papel preponderante que as milícias ocupam hoje no Rio de Janeiro, pondo nu um Estado falido, que perdeu a noção e o poder de autoridade.
Existe uma constatação dramática: há uma grande onda de assaltos em Copacabana, assim como se registra em outros pontos da cidade, muitos deles na forma de arrastões, que são o exemplo mais flagrante da ausência das forças policiais. O certo, o normal, o esperado, é que o poder público aumentasse o efetivo nos locais mais conflagrados, pondo policiamento ostensivo nas ruas , e montando operações de inteligência para fazer o combate aos criminosos.
Mas como não agem desse modo, os governantes não apenas deixam de cumprir o seu dever, de proteger os cidadãos, mas dão o pior exemplo: fornecem a senha para que, no lugar do Estado, os delinquentes milicianos possam agir folgadamente.
Até quando isso será tolerado?