Transexual comemora o direito de usar seu nome social ao se inscrever no Enem

Maria Clara fará o Enem pela segunda vez, mas este ano teve assegurado o direito de ser chamada pelo nome que escolheu

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“O maior exemplo de militância que eu posso dar é conseguir vencer na vida. Não precisar nunca me prostituir”. Passar as noites em esquinas de avenidas do Recife é uma realidade que Maria Clara Araújo, 18 anos, que vive como mulher desde os 16, nunca considerou para si. Vitória, para ela, é entrar em uma universidade e trabalhar. Ao prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) este ano, ela será uma dos 95 transexuais entre 8.721.946 inscritos que terão o direito de serem chamados pelo nome social. Para Maria Clara, esse pequeno passo mostra que pode haver um futuro de possibilidades depois de se assumir trans.


Esta será a segunda vez que a pernambucana fará o Enem. No ano passado, o que seria um constrangimento foi poupado pela compreensão do fiscal de sala. “Quando cheguei pedi para não ser chamada pelo nome que consta nos meus documentos. Foi muito tranquilo. Ele só se aproximava e entregava a prova. Mas sei que para a maioria das outras meninas não foi assim”, conta. O nome de batismo, aliás, não é sequer mencionado por Maria Clara, que faz questão de dizer que sua identidade masculina foi deixada para trás no dia em que começou a tomar hormônios femininos.

O dia “D” foi em novembro de 2012. Fã da saga Crepúsculo, decidiu que a primeira dose do hormônio (indicado por um endocrinologista) seria na pré-estreia do último filme da série. “Conheci muitas meninas que também são fãs naquele dia. Quando perguntaram meu nome, disse: ‘A partir de hoje sou Maria Clara’”. Dias depois, mudou o nome no Facebook e o medo de ser rejeitada logo cedeu espaço para a surpresa da aceitação geral.

Já considerada popular no mundo virtual por participar de diversos fóruns de debate, Maria Clara conquistou mais seguidores ao mostrar para todos sua rotina de forma natural e sincera. Dividindo o tempo entre cursinho e militância, sua experiência só fez crescer: já palestrou sobre gênero e transexualidade nas principais universidades do Estado, é colunista da revista online Capitolina, estrelou o curta documentário Transparência e até já recebeu convite para presidir uma ONG. “Quando me chamaram eu disse: ‘Gente! Vocês tão loucos? Só tenho 18 anos!”, lembra entre risos.

Mas, por sua militância escancarada, Maria Clara nunca foi chamada para uma entrevista de emprego depois de distribuir seu currículo. “Eu só quero que ela seja bem sucedida e muito feliz. Eu só passei amor a ela. A única coisa que peço é que onde quer que ela vá, que chegue com a verdade”, diz a mãe, Vandinete Maria Araújo, 59, dona de casa, que assim como o marido, Airton José dos Passos, 55, nunca teve a oportunidade de chegar à universidade.

O curso que deseja fazer, Maria Clara já sabe: serviço social. “Temos que levar esse tipo de debate para dentro da casa das pessoas. O apoio da família foi essencial para mim, mas eu sei que a maioria dos casos não é assim. Seguindo essa carreira eu poderia ajudar essas famílias”, explica. Enquanto estuda para o Enem, Maria Clara se prepara para iniciar o processo de mudança dos documentos e entrar na universidade com o nome que escolheu para si. “Uma medida efetiva para a classe trans seria a aprovação da Lei João W. Nery, que facilita a mudança do nome. Mesmo sendo um paliativo, essa mudança no Enem representa muita coisa para uma classe que fica escondida do resto da sociedade e geralmente só é vista embaixo da luz de um poste, no meio da rua”.

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