Os candidatos que fazem concursos públicos podem questionar pontos do edital, questões, gabaritos e resultados de todas as provas previstas nas seleções por meio de recursos administrativos. As bancas organizadoras devem disponibilizar as regras dos recursos no edital, dar tempo para os candidatos formularem seus questionamentos, analisar todas as argumentações e justificar as respostas dadas.
Os recursos mais comuns se referem a enunciados de questões e gabaritos das provas objetivas e correções das provas discursivas.
Os recursos são aceitos após a divulgação do gabarito ou resultado preliminar de cada prova. O prazo dado pelas bancas costuma ser de dois dias úteis, contados a partir do dia seguinte à divulgação do gabarito ou resultado provisórios. Os resultados definitivos não aceitam mais recursos, pois eles são divulgados após serem analisados os questionamentos dos candidatos.
As bancas organizadoras pedem em seus editais que os recursos sejam devidamente fundamentados, claros, consistentes e objetivos. O candidato não pode se identificar, não pode fazer recursos inconsistentes, intempestivos (fora do prazo estabelecido), incoerentes nem com teor que desrespeite a banca.
Somente será aceito um recurso por questão, para cada candidato. Alguns editais trazem modelo a ser preenchido. Outros oferecem links no site da instituição organizadora, onde será formulado o pedido. O candidato entra no site, digita seus dados pessoais e o número da questão à qual ele fará objeção. Ali existe uma caixa de texto, onde ele escreve sua argumentação. Concursos de menor porte, como os municipais, podem exigir a entrega do recurso pessoalmente ou via Correios.
As organizadoras consultadas, a Esaf, o Cespe/UnB e a Cesgranrio, três das maiores do país responsáveis pela maioria dos concursos federais, informam que não há limitação de linhas nem de número de recursos, e que todos são analisados.
É melhor entrar com recurso com a ajuda de um professor ou especialista da área ou pode entrar sozinho?
Fernando Bentes: seria bom conseguir o auxílio de especialistas da disciplina, que têm uma noção mais completa dos fundamentos teóricos e práticos envolvidos na pergunta e na resposta. Muitos cursos preparatórios presenciais ou pela internet divulgam um gabarito e fundamentam as respostas, o que também pode servir de base para o recurso do candidato.
Sérgio Camargo: o candidato pode interpor ele mesmo o recurso. Porém, a representação técnica de um especialista é sempre mais hábil a defender os interesses do candidato com as bancas, que em regra negam recursos administrativos, principalmente os de técnica duvidosa.
As grandes organizadoras só aceitam recursos individuais. Mesmo assim, o candidato pode fazer recurso em conjunto com outros candidatos e omitir que isso foi feito? Ou é melhor, mesmo que o grupo questione a mesma questão, cada um fazer o seu recurso?
Fernando Bentes: é ótimo que os candidatos se comuniquem com seus professores e colegas de classe ou de concurso. Assim, saberão detalhes da banca, da prova e de questões anuláveis que podem beneficiá-los.
Embora seja individual, se várias pessoas interpuserem o recurso com argumentos alinhados e semelhantes, é provável que isso exerça pressão na banca, beneficiando o candidato. Isso ocorre porque o julgamento de um recurso é um ato coletivo: para cada disciplina de um concurso existe um grupo de professores, liderados por um coordenador. Quando os recursos começam a surgir, há um debate entre eles e uma orientação é definida como base. Seguindo essa diretriz, os professores irão avaliar individualmente os recursos. Ou seja, quanto maior o número, a qualidade e a semelhança dos recursos, maior a pressão sobre o coordenador e seus professores e maior a chance de êxito. Para uma ação coletiva, somente por via judicial, com a impetração de um mandado de segurança coletivo, mas a própria Lei nº 12.016 de 2009 (Art. 5º, inciso I) determina que se esgotem todas as possibilidades de recursos administrativos com efeito suspensivo para que o mandado possa ser impetrado.
As organizadoras já recebem os recursos dispostas a negá-los?
Fernando Bentes: o julgamento de recursos envolve um custo, um tempo e uma complexidade muito grandes. O caminho normal de um concurso é a inscrição, prova, resultado e aprovação - o recurso é um elemento estranho, embora necessário. Por isso, há estratégias que a banca toma para evitá-los: elaboração de questões mais simples, que exigem um conhecimento de memorização, sem grandes debates teóricos;
orientação de negar os recursos por desobediência de requisitos formais mínimos do edital (identificação, prazo e local de interposição); estabelecimento dos mesmos professores que formulam as questões como responsáveis pela correção e pela avaliação dos recursos, o que impossibilita uma visão distinta e mais crítica sobre a qualidade e certeza da questão.
Sérgio Camargo: sim, por falta de capacidade técnica e por orientação da gestão da banca, acrescido da natural obscuridade dos editais que não são claros em diversas situações, como conteúdo bibliográfico, gabarito de todas as etapas do concurso, deixando o cidadão na plena obscuridade, daí a necessidade técnica de se ter um especialista em determinadas e relevantes situações.
Qual o índice de alteração de questões e respostas após os recursos?
Fernando Bentes: não há como prever um índice específico, mas não existe concurso sem questões anuladas após os recursos. Nas provas de múltipla escolha, esse percentual é grande, mas há muitas questões; nas provas dissertativas, o número de questões é menor, mas elas são mais complexas, dando espaço para questionamentos teóricos diversos e abrindo uma possibilidade maior de anulação. A diferença é que a fundamentação do recurso em questões objetivas é muito mais simples do que nas questões subjetivas, que exigem um grande esforço argumentativo do candidato.
Sérgio Camargo: não há dados exatos, mas em regra é baixo.
Você acha que a maioria dos candidatos recorre porque vê problema mesmo na questão ou o faz apenas para tentar ganhar mais pontos?
Fernando Bentes: ambos os casos. Se o candidato realmente se preparou para um concurso, ele quer passar de qualquer maneira e pode recorrer apenas para aumentar sua pontuação. Mas ele também não vai admitir ser prejudicado por conta de uma correção equivocada. O candidato se sente injustiçado e vai se esforçar ao máximo para corrigir aquele erro por meio do recurso.
Sérgio Camargo: infelizmente, a maioria o faz na busca de melhora de sua pontuação, o que de certa forma explica, ainda que não justifique, a postura rígida das bancas em negar, ou sequer analisar o recurso de certos candidatos, principalmente os feitos à punho próprio.
Como deve ser o recurso ideal?
Fernando Bentes: em regra, os recursos se dividem em três: para anulação de questão, para correção de uma resposta ou para correção do edital. Em todos, o recurso deve conter narração do que está errado, fundamentação e pedido (anulação da questão, aceitação de sua resposta ou retificação do edital). Em formulários eletrônicos, não repita a pergunta da questão ou sua resposta e parta diretamente à fundamentação e ao pedido.
Todos os professores que trabalham na avaliação de recursos têm pouco tempo e muitos pedidos para julgar. Quando os recursos são por meio eletrônico, o julgador do recurso tem, numa mesma tela de computador, três janelas: a resposta do candidato, o gabarito da banca (parâmetro de correção) e o recurso. Por isso, o ideal é que o candidato seja conciso sem ser simples. O candidato deve ir direto ao ponto, mas sempre informando seu recurso com argumentos sólidos extraídos de autores consagrados ou na lei e na jurisprudência, para matérias jurídicas. Nada de informações supérfluas, elogios rebuscados à banca ou transcrição de textos enormes. Se indicar uma lei, basta apontar o dispositivo legal. Ao invés de colocar "Constituição Federal, Art. 5º, inciso X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra..." basta fazer uma referência "Art. 5º, inciso X, Constituição Federal" e o avaliador já vai entender. Se citar uma decisão judicial no recurso, nada de copiar um trecho, basta apontar o órgão, o tipo de ação, o número do processo e a ementa, que é um resumo da própria decisão. E se a fundamentação tiver uma âncora num artigo acadêmico ou num livro, cite o autor, o título da obra, ano de publicação, editora e página para que o próprio avaliador possa fazer uma consulta, se necessário.
Sérgio Camargo: não se deve recorrer de tudo, pois fica claro que o intento é pontuar a mais; o candidato deve ser técnico e pautar sua argumentação na doutrina e na jurisprudência, anexando ao recurso às fontes que levam a seu entendimento. Não seja grosseiro e evite se alongar desnecessariamente. Falar muito não significa ter boa argumentação.
Um concurso pode ser anulado por causa de recursos?
Fernando Bentes: um concurso não pode ser anulado porque várias questões foram desconsideradas pela banca após os recursos. Se um gabarito é retificado, só acertam as questões os candidatos que responderam de acordo com o novo gabarito. Já os pontos relativos às questões anuladas são distribuídos a todos os candidatos, inclusive os que não fizeram recurso. No entanto, pode haver anulação de um número grande de questões específicas com o objetivo de aprovar um ou vários candidatos que tenham relações com a banca. Nesse caso, a banca anulará somente as questões que os candidatos beneficiados erraram para que ganhem esses pontos e sejam aprovados. Obviamente, o concurso será anulado, mas não pelo número de questões desconsideradas, e sim, porque houve ruptura dos princípios da moralidade e da impessoalidade. Numa outra hipótese, podemos considerar um concurso de 100 questões em que 90 foram anuladas. Obviamente, quem acertar mais as 10 questões válidas restantes será aprovado. No entanto, é absolutamente contra os princípios da moralidade e da eficiência da administração pública que se faça um concurso para testar a qualidade de candidatos que fizeram apenas 10 questões. Acredito que um concurso assim, tão mal feito, também poderia ser anulado por desprezo ao objetivo que é selecionar rigorosamente profissionais que irão prestar serviços públicos.
Sérgio Camargo: pode acontecer sim, pois retira a credibilidade da banca examinadora, como ocorreu no caso do concurso de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, em que todas as questões sobre a Lei Orgânica do Município foram anuladas.
As bancas são soberanas na decisão de aceitar ou não os recursos? O Ministério Público pode ser acionado em caso de a banca não aceitar recursos?
Fernando Bentes: aceitar recursos é uma obrigação da banca, e decidir anular ou manter uma questão é uma decisão soberana da entidade. O que não se pode fazer é cobrar conteúdos na prova que não estavam previstos no edital. Isso pode ensejar a anulação da questão. Se o candidato se depara com uma situação de não aceitação de seu recurso e se a prova dispuser de conteúdos não previstos em edital, então ele pode fazer um recurso administrativo, impetrar um mandado de segurança na Justiça ou fazer uma denúncia informal ou uma representação ao MP para que ele proponha uma ação civil pública ou celebre um procedimento administrativo (TAC - Termo de Ajustamento de Conduta) para que o concurso se adeque à legalidade corrigindo todas as violações aos direitos dos candidatos.
Sérgio Camargo: O MP como fiscal da lei pode receber representações sobre abuso das bancas, até no que tange a questões do concurso. As bancas são soberanas administrativamente na decisão dos recursos, cabendo ao Judiciário, se provocado, afastar possíveis arbítrios e ilegalidades.
As bancas são obrigadas a divulgar os resultados de todos os recursos interpostos, tanto os negados como os aceitos?
Fernando Bentes: as bancas devem divulgar o resultado de todos os recursos, sejam os aprovados ou negados, mostrando os argumentos. A decisão deve ser apresentada antes do resultado final do concurso, até mesmo para o candidato tomar medidas judicias contra a banca, se necessário.
Sérgio Camargo: pelo princípio da publicidade, transparência e boa fé, as bancas estão obrigadas a responder e divulgar todos os recursos.
Quais as disciplinas que mais costumam gerar recursos?
Fernando Bentes: atualidades, pela subjetividade envolvida na resposta, e direito constitucional, devido à natureza aberta de nosso texto constitucional.
Sérgio Camargo: português, informática e direito.
Os editais devem conter as regras dos recursos? E se não tiver, o que o candidato deve fazer?
Fernando Bentes: o edital é "a lei do concurso" ou seja, ele está limitado pela Constituição Federal e por todas as leis do ordenamento jurídico, mas possui uma margem de liberdade para definir as normas específicas que se aplicam a um concurso. No entanto, não pode se descuidar de prever de forma clara e detalhada os meios, forma, prazos e divulgação dos recursos, que são um direito do candidato. Se o edital não prevê as regras de recurso, o candidato deve desconfiar na organização do pleito e da idoneidade do concurso. Mas, se mesmo assim, deseja fazer o concurso, pode impetrar um mandado de segurança ou fazer uma representação ao MP para que a ilegalidade seja sanada antes da realização das provas.
Sérgio Camargo: o edital é no atual momento jurídico a única norma a balizar os concursos. Suas possíveis omissões ou arbítrios devem ser afastadas na via judicial.
As bancas podem cobrar por recursos?
Fernando Bentes: as bancas já incorporam na taxa de inscrição os gastos envolvidos na avaliação de recursos, mas, em princípio, não vejo problema em se cobrar uma taxa separada para a realização do recurso, o que seria até mais justo, porque somente os interessados em recorrer arcariam com esse custo. O que não se admite é que a taxa recursal seja tão alta que inviabilize o próprio recurso, servindo como um mecanismo de desincentivo ao candidato. Nessa hipótese, sua cobrança pode ser questionada na Justiça como um limitador da possibilidade de recurso.
Uma questão relevante a apontar é que o recurso pode ser negado ou aceito. Se aprovado, como se pode cobrar uma taxa por um erro da banca? A cobrança seria totalmente despropositada. Além disso, pode-se imaginar que um candidato recorra sobre várias questões de prova ou que todos os candidatos recorram sobre todas as questões. Além do alto custo para o candidato, a cobrança de inúmeras taxas de recurso seria um altíssimo meio de arrecadação para a administração, o que foge totalmente ao objetivo de um concurso público.
Sérgio Camargo: há bancas que cobram para analisar recursos por total falta de vedação legal. No entanto, não nos parece razoável, na medida em que o exercício dessa função pública já é remunerada pelo valor pago na inscrição. Em regra são as bancas de menor experiência e que estão iniciando suas atividades que cobram por recursos.
Você acha que o período de dois dias para elaborar os recursos é suficiente?
Fernando Bentes: o prazo de recurso de dois dias é muito curto. Para elaboração de um documento dessa relevância, que contesta uma banca de especialistas e que pode decidir a aprovação do candidato, é necessário tempo para pesquisar em livros, artigos, provas anteriores, consultar outros professores e ainda interagir com outros interessados em recorrer.
Sergio Camargo: o período de 2 dias parece ser muito mais para atender a uma regularidade e aparentar o exercício da ampla defesa do que de fato seu eficiente exercício. Deveria haver ao menos 5 dias para o candidato recorrer de questões duvidosas.