Seis capitais que somam 45% das mortes já iniciam flexibilização

São Paulo, Rio, Fortaleza, Belém, Manaus e Recife exibem curvas de casos e mortes ascendentes, mas autoridades argumentam queda na ocupação das UTIs.

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As seis capitais brasileiras que concentram 45% das mais de 34 mil mortes causadas pelo novo coronavírus iniciaram planos de flexibilização da quarentena nesta semana. Especialistas, no entanto, apontam negligência nessa iniciativa. Observam que, embora prefeituras e governos estaduais usem como argumento a queda das taxas de ocupação em UTIs, as curvas de casos e de óbitos estão ascendentes. As informações são do G1. 

A última capital a iniciar a flexibilização foi São Paulo, onde concessionárias e escritórios reabriram com atendimento limitado a 4h por dia nesta sexta-feira (5).

Na segunda-feira (1°), Belém, Fortaleza, Manaus e Recife começaram a aplicar seus planos de abertura gradual. E, na terça-feira (2), o Rio tomou as primeiras medidas para sair da quarentena. Entre as medidas de afrouxamento do isolamento social na cidade estão atividades esportivos nos calçadões e no mar, além do funcionamento de lojas de móveis e decoração e de concessionárias de automóveis.

Saulo Angelo/Futura Press/Estadão Conteúdo 

Nessas seis cidades já foram confirmadas mais de mil mortes pela Covid-19, e todas elas ainda apresentam curvas ascendentes de casos e mortes, mas as prefeituras argumentam que o número de mortes diárias está desacelerando e que a lotação dos leitos de UTI está estável ou baixando. Tais fatores justificariam o início de uma "abertura gradual".

Há ainda outro agravante: Rio, Fortaleza e Recife estão na época de maior incidência de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), segundo séries históricas do InfoGripe, sistema de monitoramento da Fiocruz.

A síndrome está associada à circulação dos vírus respiratórios, que costuma ser maior exatamente nesta época na maior parte do país. Pesquisadores, infectologistas e outros profissionais de saúde que acompanham a pandemia do coronavírus desde o início defendem manter as regras de isolamento social por mais tempo para tentar segurar a curva de crescimento dos casos e mortes.

Veja os argumentos prós e contra à flexibilização da quarentena em cada uma das capitais até esta sexta-feira (5).

São Paulo

  • Data da decisão sobre flexibilização/fim da quarentena: 5 de junho.
  • Lotação das UTIs: 65% dos leitos ocupados no estado - não foi informado se são o total de públicos e privados. A prefeitura afirmou que, sem a expansão de leitos, a taxa de ocupação estaria em 334% nas UTIs da capital. A apresentação, feita pelo secretário municipal da Saúde, Edson Aparecido, mostra ainda que, mesmo em um cenário de distanciamento social, o total de pacientes de UTI foi 5 vezes maior no final de maio do que no final de março.
  • O que já pode funcionar: Atendimento ao público em concessionárias de veículos e escritórios.
  • Argumento do governo: A prefeitura defende que os índices da capital são adequados para a reabertura. O prefeito Bruno Covas (PSDB) declarou que a cidade está em um platô em relação às solicitações de internação em UTIs, e o número de novos pedidos de leitos para pacientes com Covid-19 tem se mantido estável há pelo menos uma semana. O prefeito atribui a conquista ao uso de máscaras pela população.
  • Argumento dos especialistas: "Apesar de estar ainda subindo, a evolução do vírus está ocorrendo muito lentamente. Os novos casos e mortes estão respeitando essa teoria de não ser um pico e, sim, um platô. Sobre a questão de liberar a reabertura, precisaria de pelo menos mais uma semana de estabilidade para analisar”, avalia o professor de física da USP, José Fernando Diniz Chubaci, acompanha os dados do estado de São Paulo desde o início da pandemia.

Rio de Janeiro

  • Data da decisão sobre flexibilização/fim da quarentena: 2 de junho.
  • O que pode funcionar: Lojas de móveis e concessionárias de automóveis. Calçadão está liberado para práticas esportivas. Também está liberado esporte aquático no mar, mas não serão permitidas atividades na faixa de areia, como o aluguel de barracas de praia ou as escolinhas de esportes. Saunas e piscinas continuam vedadas.
  • Lotação das UTIs: 90% dos leitos ocupados no SUS na cidade.
  • Argumento do governo: O prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) disse que disse que a decisão da reabertura gradual ocorreu porque nesse momento não existem filas em UTIs da rede pública municipal. O número de hospitalizações na terça-feira em razão do novo coronavírus, por exemplo, é o mais baixo da última semana: saiu de 792 para 651 casos. Também houve a redução nos registros de pacientes internados em UTIs (unidades de terapia intensiva), que desceram de 206 para 191, em uma semana. Ainda assim, a projeção de casos do próprio município segue em ascendência. No dia 11 deste mês, a prefeitura estima que o número de casos confirmados de Covid na cidade passará de 48 mil.
  • Argumento dos especialistas: "Tinha que ter três condições para flexibilizar: diminuir a mortalidade – e eu não vi isso. (...) O número de leitos de CTI (...) Mas não é só zerar a fila, também tem que ter vaga nos CTIs. É preciso ter no mínimo 10% ou 15% de leitos de CTI vagos. E a estabilização da curva. Ela tava tendo uma tendência a parar de subir, mas eu não vi essa estabilização", afirmou a infectologista Tânia Vergara, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia no Rio de Janeiro.

Belém

  • Data da decisão sobre flexibilização/fim da quarentena: 1° de junho.
  • O que pode funcionar: Concessionárias, escritórios, comércio de rua, construção civil e igrejas. Shoppings centers e salões de beleza vão abrir a partir deste sábado (6).
  • Lotação de UTI: 81,51% até dia 3 de junho na cidade. Não foi informado se eram leitos de hospitais públicos ou privados.
  • Argumento do governo: A flexibilização para reabertura de shoppings centers e salões de beleza foi possível graças à disponibilidade de leitos clínicos e de UTI, nos Hospitais do Município e também do Estado. A taxa de leitos vagos na quinta-feira (4), é de 39% de disponibilidade para leitos clínicos e de 24% disponíveis para leitos de UTI. Além disso, foi identificada uma redução no número de atendimentos nas urgências e emergências da capital. Menos demandas na entrada e redução da mortalidade.
  • Argumento dos especialistas: "Na ausência de um protocolo eficiente ou de vacina, a única forma de desacelerar a transmissão é pelo isolamento social. Para saber se 70% da população está imunizada, é preciso fazer testagem em massa, o que não houve nem em Belém. Fica difícil suspender o lockdown e flexibilizar as medidas. O segundo ponto antes da reabertura social é o sistema de saúde ser capaz de isolar, tratar e testar todas as pessoas. Reabrir, estabelecer regras e não ter como fiscalizar torna a medida ineficiente. Como será feita a fiscalização? Saímos do lockdown, que é a medida mais rigorosa, mas não saímos do isolamento social. No entanto, o que vemos é que a circulação de pessoas aumentou demais. Sabemos que este é um vírus muito oportunista. Logo iremos perceber o aumento expressivo de casos da doença por conta desse aumento de circulação. Entre 7 a 14 dias já vamos ver o reflexo disso. Foi uma decisão tomada sem embasamento para a saída do lockdown na nossa análise como grupo de pesquisa", disse Evelin Cardoso, epidemiologista da Universidade Federal do Pará.

O Pará ocupou, na última terça-feira (2), a 18ª posição no ranking nacional de isolamento social, a pior já registrada. De acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup), a pior posição alcançada até então era a 16ª, no dia 16 de abril. Ainda segundo a Segup, a média de isolamento no estado foi de 39% no último levantamento.

Fortaleza

  • Data da decisão sobre flexibilização/fim da quarentena: 1° de junho
  • O que pode funcionar: 17 setores produtivos, como logística, construção civil e comércio.
  • Lotação das UTIs: 87,34% dos leitos ocupados na cidade. Não foi informado se são leitos em hospitais públicos ou privados.
  • Argumento do governo: "Quedas consistentes nos índices epidemiológicos" foi o argumento do gerente da Vigilância Epidemiológica de Fortaleza, Antônio Lima. Ele se refere, entre outros indicadores, à demanda por internação em UPAs e hospitais municipais.
  • Argumento dos especialistas: "É preciso avaliar a adesão da população ao distanciamento e a outras medidas de segurança durante a liberação dos serviços, diz infectologista do Hospital São José (HSJ), Keny Colares. Caso contrário, pode haver uma “segunda onda” ainda mais agressiva.

Manaus

  • Data da decisão sobre flexibilização/fim da quarentena: 1° de junho.
  • O que pode funcionar: Igrejas e templos; lojas de artigos esportivos e bicicletas (venda e reparo); lojas de artigos para casa; lojas de vestuário, acessórios e calçados; lojas de móveis e colchões; atendimento presencial, médico e odontológico, sujeito a agendamento prévio; joalherias e relojoarias; comércio de artigos médicos e ortopédicos; serviços de publicidade e afins; petshops; lojas de variedades; agências de turismo; concessionárias de veículos; óticas; floriculturas; bancas de revista.
  • Lotação das UTIs: em 24 de maio, a taxa de ocupação de leitos de UTI era 65%. Dos 425 leitos de UTI disponíveis nas unidades da rede estadual de saúde que atendem pacientes de Covid-19, 268 estavam ocupados. Desse total, 179 com pacientes Covid e não-Covid (89). Não foi informado se são leitos em hospitais públicos ou privados.
  • Argumento do governo: Segundo o governo estadual, a decisão foi tomada com base em dados do comitê de crise que apontam queda nos números de Covid-19 no estado. A Prefeitura afirmou, por meio de nota, que mesmo com a reabertura gradual do comércio, medidas de apoio à saúde foram adotadas na cidade, como interdição de espaços públicos, higienização de pontos com movimentos essenciais e decretos de uso de máscaras e teletrabalho a servidores públicos.
  • Argumento dos especialistas: "No cenário mais brando, sendo mais conservador e menos pessimista possível, nós teremos, sem dúvida, duas vezes mais mortes do que tivemos no primeiro colapso de saúde. Teremos um novo colapso, isso é muito certo", alertou o pesquisador Lucas Ferrante, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Para ele, o governo foi negligente em relaxar as medidas de isolamento.

Recife

  • Data da decisão sobre flexibilização/fim da quarentena: 1° de junho.
  • O que pode funcionar: Além dos serviços essenciais podem funcionar lojas de material de construção e serviço de delivery do comércio não-essencial.
  • Lotação das UTIs: 79% no dia 3 de junho. Não foi informado se são leitos em hospitais públicos ou privados.
  • Argumento do governo: Um dos argumentos para a flexibilização da quarentena foi o fato de que Pernambuco reduziu a taxa de reprodução do vírus para um número inferior a um (0,93) em 27 de maio -- mas, na quarta-feira (3), o nível subiu para 1,2. O secretário municipal de Saúde, Jailson Correia, disse que há indícios de desaceleração da curva de contágio da Covid-19. "Tivemos redução no atendimento às pessoas nas 22 unidades básicas de saúde que são dedicadas a pacientes com problemas respiratórios. Tivemos também redução nos chamados de síndromes respiratórias agudas graves no Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência]".
  • Argumento dos especialistas: "Estamos, sim, numa estabilização, mas não estamos em uma situação de conforto. Poderíamos esperar mais uma semana para flexibilizar as atividades, porque pode haver um ruído de baixa", explicou o cientista Jones Albuquerque, do Instituto para Redução de Riscos e Desastres da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
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