Contêiner para armazenamento de corpos no estacionamento de um hospital, novas covas abertas nos cemitérios, pacientes graves na fila por uma vaga de UTI e espera de até seis horas dentro de uma ambulância.
Este é o cenário de quatro capitais nordestinas após a pior semana desde o início da pandemia do novo coronavírus. Nas cidades de Natal, Recife, São Luis e Teresina, a ocupação de leitos de UTI para pessoas com sintomas da Covid-19 ultrapassou os 90%.
A trilha sonora da pandemia é angustiante. Nas ruas, a qualquer hora, as sirenes das ambulâncias não param. Nos hospitais públicos e privados, médicos e profissionais de saúde exaustos se desdobram para socorrer tantos pacientes. Em algumas cidades, usuários de planos de saúde estão sendo atendidos nos hospitais públicos.
Em Natal e Salvador, doentes graves chegam a esperar até seis horas dentro de ambulâncias particulares e do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu).
Na prática, sem vagas nas UTIs, as viaturas são transformadas em leitos temporários. O médico Pedro Julião, que atua no Samu de Salvador, fez um desabafo sobre o esgotamento do sistema de saúde.
"A situação é real e precária. Não duvide de que hoje nós não temos vagas para as pessoas nos hospitais e muitas delas estão falecendo dentro das ambulâncias e nas portas da UPAs", disse.
O coordenador de urgência da Secretaria de Saúde de Salvador, Ivan Paiva, destaca que, enquanto as ambulâncias estão paradas por seis horas com pacientes esperando para acessar uma vaga na unidade de saúde, três transferências poderiam ser feitas neste período.
"O que mais me preocupa não é a assistência ao paciente durante este tempo porque a ambulância tem toda a estrutura, mas é que poderíamos transportar outras pessoas", ressalta.
Natal
Na região metropolitana de Natal, nenhum leito está vago desde a última semana de fevereiro.
Os pacientes estão sendo atendidos em leitos improvisados nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs). Segundo a Secretaria de Saúde de Natal, 35 pacientes com Covid-19 estão na fila de espera da UTI; outros 12 suspeitos também aguardam a regulação.
Rejane Maria Soares, 58, era uma destas pacientes até a quarta-feira (03). Ela foi internada na manhã de segunda-feira (1º) com falta de ar, depois de tratar os sintomas da Covid-19 durante uma semana em casa. Na noite do mesmo dia, foi colocada na lista de espera por um leito de UTI devido à gravidade da doença e esperou durante 48 horas.
Ela precisou ficar seis horas sentada numa poltrona que servia de leito improvisado diante da lotação da unidade de saúde.
"Depois arranjaram uma maca e deixaram em condições melhores, mas somente 24 horas depois é que ela foi para uma sala de estabilização na UPA para aguardar o leito de UTI", contou a filha Maíra Soares. Na quarta-feira (03), Rejane apresentou melhora no estado de saúde e foi retirada da lista, mas retornou à fila nesta sexta-feira. Ela segue internada na mesma unidade de saúde e espera a transferência para um leito clínico nos hospitais de referência de Natal. Hipertensa e diabética, a paciente faz parte do grupo de maior risco da Covid-19.
O jornalista Matheus Magalhães sofreu espera semelhante. O pai, Ivanildo Magalhães, 71, suboficial reformado da Aeronáutica, apresentou sintomas na sexta-feira antes do Carnaval e piorou na semana seguinte.
No dia 24 de fevereiro, foi internado num leito de enfermaria do Hospital da Base Aérea de Natal, mas teve piora no estado de saúde e dois dias depois precisou ir para a UTI.
O Hospital da Base Aérea de Natal tem convênio com quatro hospitais privados da capital, mas nenhum possuía leitos de UTI disponíveis no dia. Ele foi colocado na lista de espera do SUS. "Aí eu me desesperei porque vi que tinha pacientes com mais de 15 horas de espera. Meu pai não estava na pior situação", disse Matheus. Por ser suboficial reformado da Aeronáutica, Ivanildo conseguiu ser transferido na madrugada do domingo (28) para uma unidade hospitalar das Forças Armadas no Recife (PE), onde segue internado na UTI.
Com o colapso na região metropolitana, os pacientes passaram a ser transferidos para regiões do Rio Grande do Norte que possuem leitos disponíveis. Entretanto, todas as regiões já ultrapassam os 90% de ocupação.
No Hospital Regional do Seridó, localizado a 283 km de Natal, os 30 leitos de UTI estão ocupados e apenas quatro leitos de enfermaria estão vagos.
Funcionária do hospital, a técnica de enfermagem Lourdes Cristina Gomes, 51, contou que as equipes estão exaustas com o número crescente de pacientes desde fevereiro. A impressão até então é de que o pior já havia passado, mas os casos voltaram a explodir como antes. No último plantão, encaminhou sete pacientes para internação.
"Hoje, eu preciso trabalhar no pronto-socorro, na ala de traumas e na sala de estabilização do hospital. Me sinto exausta e angustiada vendo os pacientes naquela situação, tendo que improvisar leitos em poltronas."
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, disse que não basta abrir leitos. "Chegamos ao nosso limite, a começar pela exaustão dos profissionais de saúde e pelo alto número de internações. Não vou iludir a população do Rio Grande do Norte dizendo que basta abrir leitos. Não basta. É preciso aumentar o isolamento social rigorosamente", declarou.
Segundo o secretário estadual de Saúde, Cipriano Maia, a maior dificuldade é a abertura de leitos na mesma velocidade do aumento das internações. "Não conseguimos fazer convocações e nem realizar contratação temporária de profissionais com qualificação necessária para atuar nas UTIs."
Recife
No Recife, um contêiner para armazenar corpos foi instalado pela prefeitura no estacionamento do Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa, na zona oeste da cidade. Em Olinda, cidade vizinha ao Recife, a prefeitura precisou viabilizar dois novos terrenos para instalação de 800 gavetas especiais para as vítimas do coronavírus.
"Estamos correndo atrás e será feito no mais breve tempo possível. No fim do ano passado, diante do aumento de casos, precisamos abrir 200 novas covas no cemitério de Águas Compridas", afirmou o coordenador de necrópoles Edvaldo Alves.
Em Pernambuco, nesta quinta-feira (4), havia apenas 92 leitos de UTI para pacientes com síndrome respiratória aguda grave nas redes pública e privada. Um médico que trabalha em um hospital particular do Recife, que preferiu não se identificar por temer algum tipo de represália, informou que pacientes com planos de saúde estão aguardando na urgência porque não há mais leitos.
"Vai morrer muita gente de câncer, de infarto, por exemplo, porque estamos perto de colapsar o privado e não terá mais leitos", diz o presidente dos hospitais particulares de Pernambuco, George Trigueiro. Diante do quadro de extrema gravidade, governadores do Nordeste publicaram decretos nesta semana com toques de recolher e medidas restritivas na tentativa de diminuir a aceleração do contágio.