A história por trás do documentário “A ira de um anjo”

Em 29 de setembro de 1992, a HBO lançou o documentário Child of Rage (A Ira de um Anjo), que chocou o mundo ao apresentar a história de uma garotinha de 6 anos

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No livro Ensaio Acerca do Entendimento Humano, o filósofo John Locke aponta que "Todos nascemos como uma tábula rasa", dando a entender que o ser humano nasce sem nenhum entendimento ou percepção das coisas. Isso sugere que a educação, o convívio familiar, o afeto e as questões socioeconômicas são fundamentais para formar o caráter de uma criança.

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Em 29 de setembro de 1992, a HBO lançou o documentário Child of Rage (A Ira de um Anjo), que chocou o mundo ao apresentar a história de uma garotinha de 6 anos de idade chamada Beth Thomas em gravações feitas pelo seu psicólogo, Dr. Ken Magid, durante as sessões de terapia.

Os espectadores ficaram horrorizados com a violência, o ódio, a extrema apatia e o desejo declarado que a menina tinha de assassinar, com crueldade, os pais adotivos e o irmão. A maioria das pessoas estava em contato pela primeira vez com uma criança que apresentava sintomas de psicopatia. Mas por que Beth era assim? O que aconteceu com ela? É possível recuperar algo quebrado em tão pouco tempo?

O anjo 

Elizabeth Thomas perdeu a mãe biológica quando tinha apenas 1 ano de idade, deixada com o irmão Jonathan sob a custódia do pai. O homem abusou sexualmente das duas crianças por 6 meses até que médicos descobrissem o que estava acontecendo.

As crianças foram resgatadas de uma situação de vulnerabilidade. Jonathan estava imundo de fezes e urina dentro de um berço cercado por caixas de leite azedo. Beth não tomava banho há semanas, tampouco comia. Em meados de 1984, eles foram adotados por Jim e Julie Tennent, que fizeram essa escolha após tentarem engravidar por 8 anos. Na época, Beth tinha 2 anos e Jonathan, 7 meses.

Os irmãos significavam a realização de um sonho para o casal, que fazia de tudo para proporcionar a melhor da vida para eles, principalmente dando o afeto que Beth e Jonathan jamais receberam. Os dois foram cercados de atenção, amor, presentes, mimos e conforto.

Tudo parecia um sonho até que os pesadelos de Beth entraram no caminho — literalmente. A garota começou a acordar todas as noites se queixando de "um homem que caía sobre ela e a machucava com uma parte dele". Foi depois disso que o comportamento dela se alterou completamente.

Asas partidas de um sonho

Em momento algum, os Tennents foram alertados sobre as circunstâncias nas quais as duas crianças chegaram para a adoção; a assistente social alegou que elas eram saudáveis e livres de qualquer trauma psicológico. Jim e Julie estavam completamente no escuro sobre o que estava prestes a acontecer.

Quando o órgão de adoção foi confrontado pelo casal, os funcionários alegaram que não forneceriam o histórico dos infantes devido às leis de confidencialidade. Era irônico, uma vez que o bem-estar das crianças era a prioridade. Os pais não teriam sofrido tanto se tivessem tido o mínimo de respaldo. Outros na posição deles poderiam não ter encontrado a saída ideal para aquele pesadelo.

Beth começou a exibir raiva e descontrole absurdos. Ela xingava, fazia gestos obscenos e gritava até ficar vermelha. Ela chegou a jogar o irmão do berço para o chão e pisar tão forte na cabeça dele que foram necessários pontos para fechar os ferimentos. Jonathan era beliscado, mordido e socado por Beth quando os pais não estavam por perto. A própria menina chegou a relatar que molestou o garoto. E ela também tinha a tendência de se masturbar em público.

Desesperada e sem saber a origem de toda aquela agressividade, Julie passou a trancar Beth no quarto à noite, para garantir a segurança da família, principalmente porque várias vezes ela foi pega tentando esfaqueá-los. No tempo em que estava solta, Beth caçava animais para torturá-los como uma maneira de esvaziar aquele ódio incontrolável. No documentário, quando interrogada sobre os seus animais de estimação, ela respondeu: "Eu os prendi com estacas para que morressem". A situação se tornou insustentável para os Tennents; então, em 1989, eles decidiram procurar um psicólogo.

A ruptura

Dr. Ken Magid foi o responsável pelas conversas com Beth. À princípio, exibindo um comportamento malicioso, ela confessou que machucaria os pais adotivos esfaqueando-os até a morte. O profissional então organizou uma verdadeira jornada às origens psicológicas da garota, e foi assim que ela falou dos abusos sexuais que sofreu do pai biológico e expressou toda a sua aversão por pessoas. Ela acreditava que até mesmo o médico a machucaria, por isso o repudiava.

Beth foi diagnosticada com Transtorno de Apego Reativo (RAD), um grave distúrbio caracterizado pela dificuldade de criar vínculos sociais ou afetivos, frequentemente causado por situações de vulnerabilidade e abuso enfrentadas antes dos 5 anos de idade. Mas esse foi só um dos fatores responsáveis por desenvolver a psicopatia infantil.

Durante a internação, a garota expressou que entendia a consequência dos seus atos e não expressou remorso por isso. Ao longo de muitos anos de terapia intensiva, ela apresentou culpa genuína por ter causado dor aos pais e ao irmão. Depois, foi submetida a conviver sob um conjunto de regras rigorosas proposto por um especialista em RAD que a criou por muito tempo longe do afeto diário dos pais.

Beth conseguiu se sair bem na escola, socializando e fazendo amizades, e até se formou em Enfermagem na Universidade do Colorado. Atualmente, ela viaja o mundo dando palestras sobre a própria história e declara que superou o passado.

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Para muitos especialistas, a garota, que virou símbolo de estudo, apenas aprendeu a reprimir os instintos psicopáticos, uma vez que a doença não tem cura, e que a sua consciência apenas finge bem. Para outros, Beth é apenas o resultado de como a mente humana reage ao trauma e à negligência.

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