A impressão 3D é uma das tecnologias mais comentadas nos últimos anos e se tornou tendência na produção de itens como óculos de sol e até na construção de uma casa. As possibilidades foram sendo exploradas até chegar a bioimpressão, que permitiu a criação de biocurativos feitos de pele artificial e que estão sendo desenvolvidos para ajudar nos tratamentos de pessoas com queimaduras.
Uma queimadura de 3º grau, por exemplo, atinge diferentes camadas da pele, como derme, epiderme e até hipoderme, o que dificulta o processo de cicatrização e favorece o surgimento de infecções.
Ana Luiza Millás, fundadora e diretora de pesquisa da 3DBS, startup brasileira especializada em bioimpressão, explica que o uso de células dos pacientes em um biocurativo 3D pode acelerar o processo de recuperação e reduzir o índice de rejeição de outros fármacos, como pomadas.
“A gente pega células humanas da pele, que são fibroblastos, melanócitos e queratinócitos, carrega no cabeçote da bioimpressora e o equipamento vai reconstruir esta pele camada por camada”, explica Millás.
Os biocurativos, que não necessariamente são materiais feitos a partir da bioimpressão, já são usados na Europa e nos Estados Unidos. Entretanto, o alto valor na conversão do dólar para o real, além das barreiras alfandegárias, dificultam a importação desses produtos.
Millás destaca que a 3DBS trabalha no desenvolvimento de uma pele artificial que poderá ser utilizada por hospitais especializados em pacientes com queimaduras. Porém, para chegar ao uso médico, a nova tecnologia precisaria passar por uma série de fases, como testes dos curativos feitos em impressora 3D em animais e também a elaboração de uma logística.
Como funciona uma impressora 3D?
As impressoras tradicionais instaladas em casas e escritórios são alvo da ira dos usuários, que por muitas vezes não conseguem imprimir textos e imagens em uma folha sulfite. Em tom de brincadeira, Millás diz que a briga continua quando o assunto é a impressora 3D.
Com esta tecnologia, o papel e os cartuchos são deixados de lado e dão lugar a programas de computador sofisticados e materiais de impressão chamados de polímeros, que são plásticos especiais. Esse material é derretido a temperaturas por volta de 240°C e uma camada é depositada sobre outra lentamente para transformar o desenho feito em um software de computador em algo real.
No caso das bioimpressões, o processo é bem parecido com o detalhe de que o trabalho é feito a 37°C, praticamente a mesma temperatura do corpo humano. “A temperatura máxima que uma célula sobrevive é 40°C. Então a gente mataria todas as células se tivessem temperaturas como a de impressoras 3D tradicionais. Essas impressoras foram adaptadas [...] e os cabeçotes trabalham em temperatura ambiente com células vivas”, diz Millás.
O CEO da 3DBS, Pedro Massaguer, explica que os programas de computador utilizados para a impressão 3D podem trabalhar diretamente com exames de imagem hospitalares, tornando o processo de impressão de biopeças único e individualizado.
“Um software está olhando para a uma imagem, que no nosso caso é comum advir de uma tomografia computadorizada para uma estrutura óssea. Depois temos um software que trata essa imagem no sentido de decompor camada por camada, aí então você tem o volume e velocidade para refazer essa peça”, conta Massaguer.
Até onde as bioimpressões podem ir hoje?
Quando o assunto é impressão 3D na área da medicina, é inevitável pensar na possibilidade da produção de órgãos que possam ajudar a acabar com as filas de transplante. Tanto Millás quanto Massaguer são cautelosos em palpites de quando estes procedimentos poderão ser feitos.
A dupla da startup brasileira de bioimpressão aponta para dificuldades além do processo científico, como a distribuição e massificação deses órgãos. Millás, no entanto, afirma que já é realidade a construção de pequenos pedaços de tecido.
“Hoje é possível com a bioimpressão, e com a tecnologia das engenharias de tecido, produzir pequenos pedaços de pele, osso, cartilagem, modelos in vitro e miniórgãos.”
Outra área que a bioimpressão já atua é no setor de cosméticos. Com a abolição dos testes em animais na Europa e nos Estados Unidos, o desenvolvimento de materiais de teste cresceu no mundo todo.
O Brasil, que proibiu os testes cosméticos em animais em 2019, adotou mais de 15 métodos alternativos para experimentos relacionados a produtos de beleza. Com a nova realidade, surgiu também a necessidade de desenvolver biomateriais para testes com o tipo de pele do brasileiro.
“Existe uma demanda muito grande pelo desenvolvimento de métodos alternativos nacionais. Porque até então nós só tínhamos pele para usar de laboratórios de fora do país. Esses modelos eram muito difíceis de chegar aqui, raríssimos e custosos. Outra coisa, eles usam células que não são nossas, que não são da diversidade brasileira”, explica Millás.
A startup já produz materiais para testes cosméticos para grandes empresas brasileiras do ramo da beleza. Outros seguimentos, como a indústria de brinquedos e agrotóxicos, também contam com as bioimpressões para o desenvolvimento de produtos e controle da agressividade na interação com o ser humano.