Longe das praias hedonistas de Ibiza ou das noites de discoteca em Barcelona, a minúscula cidade de Campillo de Ranas - o campinho das rãs - fica situada nas colinas escarpadas de Castilla-La Mancha, a 90 minutos de carro de Madri, na província de Guadalajara.
Com suas casas térreas de ardósia mal se erguendo acima das encostas arredondadas nas quais estão construídas, a bonita torre do sino romanesca da cidade é a única coisa que não se mistura à paisagem. O local pareceria um cenário perfeito para uma encenação ao ar livre de "Os Flintstones".
Francisco Maroto, prefeito de Campilo di Ranas.
Mas as primeiras impressões podem ser enganadoras. Essa cidade pequena, com uma população fixa de cerca de 60 pessoas, a maioria delas com mais de 60 anos, se transformou nos últimos anos na capital não-oficial do casamento gay da Espanha.
Em junho de 2005, o governo socialista da Espanha aprovou uma lei legalizando o casamento gay e conferindo os mesmos direitos e nomenclatura -matrimônio- às uniões homossexuais e heterossexuais. Mas logo após a aprovação da lei, vários prefeitos conservadores e proeminentes declararam publicamente que não realizariam casamentos gays.
O prefeito não proeminente e liberal de Campillo, Francisco Maroto, que por acaso também é assumidamente gay, declarou que os realizaria.
Francisco Maroto, prefeito de Campilo di Ranas, transformou a aldeia espanhola no destino perfeito para casamentos gays
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O que aconteceu é o assunto do documentário "Campillo Sí, Quiero", que foi produzido e dirigido por Andrés Rubio e está sendo exibido em festivais de cinema gay e independente de Dublin até Buenos Aires.
Filmado ao longo de um ano, o filme conta a história de como esse pequeno vilarejo sem muita fonte de renda, que foi virtualmente abandonado há 20 anos, renasceu graças à disposição de atender qualquer pessoa disposta a casar aqui. Dizer "sim" aos casais gays também acabou atraindo os casais heterossexuais, gerando uma indústria de casamento e turismo que coexiste quase pacificamente com o caráter rural da cidade.
"Campillo mostra que é possível quando há uma dose apropriada de tolerância e respeito", disse Rubio em uma entrevista por telefone, explicando o que o inspirou a fazer o filme.
Desde o verão de 2005, Maroto já casou mais de 140 casais. Apesar de gênero não estar listado nos registros de casamento, o arquivista da cidade diz que 40% deles foram de casais de mesmo sexo. Noivas e noivos -em várias combinações- vêm de toda Espanha, e até mesmo de lugares tão distantes quanto os Estados Unidos e a Rússia, para se casar na prefeitura rústica de Campillo.
Com seu salão principal pintado de azul claro e adornado com pouco mais que um retrato do rei Juan Carlos 1º, a bandeira espanhola e uma bandeira de arco-íris -a presença dos dois primeiros sendo obrigatórios por lei em cerimônias oficiais como casamentos- a prefeitura está longe de ser uma Capela do Amor, mas a cidade está longe de ser Las Vegas.
Os visitantes vão a Campillo não para apostar, mas para caminhar ao longo dos quilômetros de trilhas que serpenteiam pelos pastos verdes, que ficam forrados de flores silvestres na primavera. No calor do verão, as pessoas caminham até a poza del Aljibe, uma piscina natural espetacular criada por uma cascata. No outono, as encostas e margens do rio são bem cuidadas pelos moradores locais e visitantes, que recolhem as frutas e cogumelos silvestres.
A região faz parte da Rota da Arquitetura Negra, batizada segundo suas edificações de ardósia pitorescas. Por séculos, se não milênios, virtualmente tudo aqui foi construído em ardósia, grande parte delas tingida de verde de líquen ou manchada de vermelho pelo conteúdo de ferro da pedra.
Há um aspecto pragmaticamente aleatório nas construções, uma combinação de ângulos diferentes e cantos arredondados que é instantaneamente atraente. Apesar de sua falta de pretensão arquitetônica, as casas transmitem um senso de nobreza e permanência. Com suas telhas de ardósia prateadas e irregulares refletindo na luz do sol, os telhados parecem como se tivessem sido feitos de chumbo derretido, pingado à mão por um gigante primordial.
Antes mesmo da fama matrimonial de Campillo, um pequeno retorno neorrural à terra estava em andamento na região, onde a eletricidade só chegou no final dos anos 50. O serviço de telefonia fixa só foi instalado em dezembro passado, principalmente para acesso à internet de banda larga.
Atraído pela simplicidade da vida e pela beleza da região, José Antonio Reig e sua família chegaram há 12 anos, quando havia apenas um punhado de moradores. Em 2001, a família Reig abriu um restaurante e pequeno hotel, Aldea Tejera Negra, e há dois anos abriram a Alternatura, uma empresa de turismo especializada nas diversas atividades ao ar livre da região.
Graças a esforços como esse, o charme interiorano de Campillo não precisa ser perturbado. O Aldea Tejera Negra abre elegantes tendas de casamento com vista para a piscina do hotel e para as colinas ao redor. Do outro lado da cidade, a cerca de 100 metros de distância, fica um restaurante mais intimista, o La Fragua, onde um jantar aconchegante para dois pode começar com um patê caseiro, croquetes saborosos de espinafre e camarão, seguidos por um tenro filé mignon, tudo acompanhado por um excelente Ribera del Duero e arrematado com deliciosas trufas de chocolate.
Campilo di Ranas está situada nas colinas escarpadas de Castilla-La Mancha, a 90 minutos de carro de Madri
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Outras acomodações são igualmente civilizadas. Apesar da Casa del Sol próxima, com quatro quartos, talvez precisar repensar as camas de latão rangentes em uma cidade conhecida pelos casamentos, não se pode questionar o charme chique boêmio do lugar ou seu delicioso café da manhã, que pode incluir pão com canela caseiro com creme de marmelo e um queijo fresco suave. Pão torrado é o veículo ideal para provar o mel local, que tem uma cor caramelada e nada da doçura que satura ou do gosto floral da maioria dos méis.
O afluxo de funcionários para a indústria hoteleira e os chamados neorruralistas significou a reabertura da escola primária de Campillo, que ficou fechada por 32 anos.
Apesar de ter sido eleito, o cargo de Maroto não é remunerado, e como a maioria dos moradores, ele extrai da terra seu sustento. Em 2007, ele foi reeleito de forma esmagadora e, em 2008, se casou com Enrique Rodríguez, seu parceiro há 15 anos, em uma união celebrada por um vereador da cidade. Apesar de reconhecer seu lado ativista, ele disse que está apenas fazendo seu trabalho.
"Os prefeitos em grande parte precisam lidar com problemas -às vezes somos até culpados pelo clima- então me dá muita satisfação ser conhecido por casar pessoas."
Dizendo "aceito" em Castilla-La Mancha
Onde ficar
La Casa del Sol (Campillo de Ranas; 34-626-066-127; www.casaruralcasadelsol.es) oferece quartos duplos e café da manhã a partir de 70 euros, ou US$ 101,50, com o euro cotado a US$ 1,45; um mínimo de duas noites nos fins de semana.
O Aldea Tejera Negra (Camino de Robleluengo s/n; 34-628-318-644; www.arquitecturanegra.com) tem quatro chalés de dois quartos a partir de 240 euros por duas noites nos fins de semana.
Onde comer
Los Manzanos (Calle Mayor 8, Campillejo de Ranas; 34-4-823-387) é uma taverna animada em uma aldeia vizinha. Almoço para dois com vinho sai por 50 euros.
Los Manzanos (Calle Mayor 8, Campillejo de Ranas; 34-4-823-387) oferece pratos elegantes em um ambiente rústico aconchegante. Jantar para dois com vinho, 80 euros.