Descontaminação de água alia compósitos de baixo custo e energia solar

Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 2 bilhões de pessoas bebem água contaminada por fezes

Solução simples e barata desenvolvida por pesquisadores da USP em São Carlos e colaborador nigeriano elimina até mesmo bactérias multirresistentes. Argila, semente de mamão e casca de banana estão entre as matérias-primas utilizadas pelo grupo (foto: Pixabay) | (foto: Pixabay)
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José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Doenças associadas à água contaminada são uma das maiores causas de morbidade e mortalidade em escala global. E o acesso à água potável vem diminuindo, devido ao progressivo descarte de poluentes domésticos, agrícolas, industriais e hospitalares no meio ambiente. Microrganismos nocivos, nitratos, fosfatos, fluoretos, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e metais pesados – como cádmio, mercúrio e chumbo – estão entre os principais contaminantes.

Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 2 bilhões de pessoas bebem água contaminada por fezes. Pior ainda é a contaminação da água por cepas de bactérias resistentes a múltiplas drogas e metais, selecionadas pelo descarte indiscriminado de antibióticos no meio ambiente.

Neste contexto, a pesquisa por formas seguras e baratas de descontaminação da água tornou-se uma necessidade urgente, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Um estudo conduzido no Laboratório de Espectroscopia de Materiais Funcionais (Lemaf), do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), em parceria com o African Centre of Excellence for Water and Environmental Research (Acewater), da Nigéria, obteve resultados promissores nesse sentido.

Solução simples e barata desenvolvida por pesquisadores da USP em São Carlos e colaborador nigeriano elimina até mesmo bactérias multirresistentes. Argila, semente de mamão e casca de banana estão entre as matérias-primas utilizadas pelo grupo (foto: Pixabay)

O trabalho foi coordenado por Andréa de Camargo e Hellmut Eckert, professores do IFSC-USP, bem como por Emmanuel Unuabonah, diretor do Acewater e professor da Redeemer's University, da Nigéria. O grupo contou com apoio da FAPESP por meio de Auxílio a Pesquisador Visitante, que possibilitou uma visita científica de três meses do professor Unuabonah ao IFSC-USP. Auxílios obtidos de outras instituições permitiram que dois alunos do professor Unuabonah também viessem estagiar na USP, em São Carlos.

“A fotocatálise é a forma mais eficiente de descontaminação da água. Nós desenvolvemos um método que utiliza nanocompósitos fotocatalíticos baseados em precursores de baixo custo, abundantes nos países da África subsaariana e também no Brasil, e radiação solar, o que proporciona uma solução sustentável para regiões nas quais o abastecimento de energia elétrica estável constitui um problema a mais. Ao interagir com a radiação solar, o material libera espécies reativas de oxigênio, como o oxigênio singleto, que destrói microrganismos e degrada resíduos de antibióticos e efluentes agrícolas”, diz De Camargo à Agência FAPESP.

Para produzir os nanocompósitos, os pesquisadores utilizaram como precursores argila (caulinita), semente de mamão papaia ou casca de banana (como fontes de carbono) e sais de metais (cloreto de cobre ou cloreto de zinco). A proporção em peso foi de um para um para dois (1:1:2) para os híbridos dopados com cobre ou zinco individualmente. E de um para um para um para dois (1:1:1:2) para os híbridos dopados com cobre e zinco simultaneamente.

“Nanocompósitos formados por caulinita, sementes de papaia, cobre e zinco mostraram-se eficientes para a purificação de água contaminada por Escherichia coli resistente a múltiplas drogas e metais”, afirma De Camargo.

A produção dos nanocompósitos combinou várias técnicas laboratoriais: solução, agitação contínua, secagem, calcinação, esterilização, lavagem e segunda secagem. “O material resultante foi empacotado em colunas de vidro previamente esterilizadas. A água contaminada entra por uma extremidade da coluna, atravessa o material em presença da luz solar e sai descontaminada na outra extremidade”, resume a pesquisadora.

O estudo identificou três mecanismos de desinfecção, dependendo do compósito estudado: a interação eletrostática, identificada para o compósito dopado com zinco, em que cargas superficiais positivas interagem fortemente com grupos carboxílicos das paredes celulares das bactérias, levando-as a aderir às superfícies do compósito; a toxicidade metálica, identificada, em menor ou maior escala, para os três compósitos testados; e a fotocatálise, com a geração de oxigênio singleto a partir do oxigênio molecular em presença da luz solar e a oxidação de lipídeos e proteínas em torno das membranas celulares das bactérias, levando à sua destruição.

“Apesar de os três mecanismos terem sido identificados, ainda não está claro se ocorrem simultânea ou sequencialmente. Em todo caso, a prova do conceito está dada: materiais híbridos nanocompósitos baseados em precursores de baixo custo foram eficientemente utilizados para a desinfecção de água contaminada com bactérias multirresistentes”, sublinha De Camargo.

A pesquisadora chama a atenção para o fato de que os resíduos de cobre e zinco presentes na água tratada não são prejudiciais para o consumo humano. “Considerando o consumo diário médio por adultos saudáveis, que é de três litros e meio, os resíduos de cobre e zinco presentes na água tratada, respectivamente de 0,8 miligrama e de 0,51 miligrama por litro, estão abaixo do máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde [OMS]”, diz.

Além da composição mencionada, o grupo analisou também outras composições possíveis. “Nanocompósitos de caulinita, casca de banana, tungstato de sódio e dióxido de titânio foram efetivos para a fotodegradação dos antibióticos ampicilina e sulfametoxazol e da droga antimalárica artemeter. Compósitos heteroestruturados, do tipo ZnO/grafeno ou F2O3/grafeno, suportados em argila com camadas de carbono proveniente de sementes de papaia, promoveram a remoção de esteroides estrogênicos”, informa De Camargo.

O estudo já motivou a publicação de quatro artigos em revistas especializadas: “Visible-Light-Mediated Photodynamic Water Disinfection @ Bimetallic-Doped Hybrid Clay Nanocomposites”; “Solar-active clay-TiO2 nanocomposites prepared via biomass assisted synthesis: Efficient removal of ampicillin, sulfamethoxazole and artemether from water”; “Tuning ZnO/GO p-n heterostructure with carbon interlayer supported on clay for visible-light catalysis: Removal of steroid estrogens from water”; “Carbon-mediated visible-light clay-Fe2O3–graphene oxide catalytic nanocomposites for the removal of steroid estrogens from water”.

 

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