Elite gasta bilhões com yoga com cabras, carvão e purificadores

A elite busca um caminho natural, orgânico e paga caro

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O bairro do SoHo, em Nova York, está em guerra. Em meio a lojas da Prada e da Gucci, a vitrine de um café aberto meses atrás diz “o lugar mais saudável de Nova York” e não serve lactose, glúten ou nenhum produto de origem animal. Logo em frente, do outro lado da rua, a fachada do restaurante Le Botaniste brada: “100% botânico, 99% orgânico”. “Os dois são bons. Mas não sei dizer qual é mais natural”, diz a relações-públicas Kelly Everett, uma loira com a idade próxima da de Madonna e os braços torneados parecidos com os da cantora. “Todo mundo aqui é natural. Orgânico é o novo caminho natural em Nova York”, ela explica, enquanto anda pela rua. Kelly, que acabou de sair da ioga, fica em dúvida em qual dos dois estabelecimentos naturebas quer ir. Decide se sentar em uma mesa do Botaniste, onde pode beber vinho orgânico sem nenhum ingrediente artificial. “Eu estou tentando ficar mais saudável e ligada à natureza. Várias amigas também estão”, disserta

A RP tira o casaco vermelho Moncler e revela um conjunto de roupas de ioga com recortes ousados, que parecem ter sido projetadas por um estilista. “Ah, isso aqui é da Lululemon”, ela explica. A Lululemon, no caso, é uma grife que nasceu para praticantes de ioga e em menos de uma década virou uma febre entre a elite americana. A ponto de virar livro: a continuação de O Diabo Veste Prada, que chegou às livrarias nas últimas semanas, chama ‘When Life Gives You Lululemons (Quando a Vida Te Dá Lululemons)’. No romance, a autora Lauren Weisberger faz graça do fetiche pela natureza, entre outros temas americanos. Kelly explica a sua relação: “A ioga é mais do que um exercício, é um estado de espírito que mudou minha vida”, diz ela. O fetiche com a prática oriental chegou a tal ponto que a modalidade mais novidadeira envolve um instrutor exótico: bodes. Um retiro no norte do Estado de Nova York começou a ministrar práticas com cabritos. Os bichinhos saltitam soltos pela aula. Escalam as costas dos praticantes, enquanto eles se esforçam para manter as poses, e às vezes mastigam seu cabelo.

A ex-modelo e apresentadora Tyra Banks e o rapper Action Bronson vão lá. Atualmente, o lugar tem uma lista de espera de 350 nomes. “Mas eu já consegui marcar uma data, para dia 19 de dezembro”, diz Kelly. Ela lamenta que as aulas sejam dentro de um celeiro durante o inverno. “Se fosse no meio da natureza, seria melhor.” “Desde o 11 de Setembro, o nova-iorquino se deu conta de que a morte está próxima. E de que por isso deve viver uma vida melhor”, diz Emma Dole, que é consultora de “life improvement”, ou melhoria de vida, na cidade. Ela, que ajuda ricos a achar a terapia alternativa que melhor cura suas agruras, defende que, desde a tragédia, a gentileza passou a ser um valor da cidade, até então regida pela pressa e pelo dinheiro. Não que o dinheiro tenha deixado de ser essencial. Ser holístico custa. E custa caro.

CARVÃO A R$ 540 O QUILO

A relações-públicas Kelly topa mostrar tudo de místico que comprou nos últimos tempos. No dia em que recebeu a J.P no seu apartamento, no Chelsea, ela tinha acabado de receber por correio um pacote branco, parecido com os produtos da Apple. Mas, dentro da caixa, havia um pedaço de carvão Binchotan, importado do Japão. “É usado para purificar a água”, explica ela, que mora em uma cidade em que a água da torneira já vem purificada e é testada diariamente para garantir. A nota fiscal que veio com a caixinha mostra o preço do mimo: 125 gramas de carvão custaram US$ 16, ou R$ 60. O quilo de carbono queimado na caixa moderna sai por R$ 540. É o exato mesmo preço do salmão defumado do empório Zabar’s, um dos melhores do mundo, também em Nova York. “O carvão é para ficar em casa, dentro de uma garrafa. Mas para carregar no dia a dia eu tenho isso aqui”, ela tira da bolsa Lululemon uma garrafa de plástico transparente que tem um pedaço de ametista colado no fundo, como se fosse um prédio em miniatura. “A pedra enche a água de energias positivas”, diz a relações-públicas.

A ciência não concorda: o metal não altera as propriedades da água, dizem estudos do MIT e de Harvard. Ou seja, não há evidência de que a água com cristal de US$ 200 seja melhor que um copo de água da torneira. Kelly segue para a sala, onde há uma variedade de traquitanas em cima da mesa. Um halter de 5 quilos feito de mármore branco saiu por US$ 100. O incenso de sálvia da Índia, com que ela defuma a casa uma vez por semana, custa US$ 50 o buquê. Os vibradores de materiais não poluentes e não derivados de plástico são chamados de “smile makers”, ou fazedores de sorrisos. Ela tem dois. Ela comprou a maioria desses produtos no Goop. Mais do que uma loja virtual, o Goop é um império do bem-estar fundado por ninguém menos que Gwyneth Paltrow. “Ela é tudo o que eu adoraria ser”, admite Kelly, que também é loira e esguia como Gwyneth. “Ela é linda, mas também se importa com as coisas certas.” Nem sempre. Kelly foi uma das milhares de pessoas que comprou no Goop um ovo de cristal que deve ser colocado nas partes pudendas. O site anunciava que o mineral ajudaria a vagina a chegar ao PH ideal. O Ministério Público americano abriu um processo de danos coletivos contra o site, e o Goop foi obrigado a pagar US$ 145 mil de indenização, além de tirar qualquer promessa ligada ao ovo vaginal do seu site.

O SHOPPING DA PAZ

A parafernália de Kelly pode parecer bobeira. No entanto, representa um mercado que cresce mais do que kefir. Um relatório do Global Wellness Summit, estimou que o mercado holístico movimente ao redor do globo US$ 3,7 trilhões por ano. É quase o dobro do Produto Interno Bruto anual do Brasil, de cerca de US$ 2 bi. E esse mercado está se organizando em estruturas que parecem shopping centers. No Union Square, uma casa de 1.500 m² está em reforma. O barulho de britadeiras e martelos em breve vai dar espaço a uma paz transcendental. Vai funcionar ali o Well, um clube exclusivo para tratamentos holísticos. A mensalidade vai ficar na casa dos US$ 375 (ou R$ 1.300) mensais. Essa taxa inclui uma consulta mensal com o que chamam de concierge da saúde, um profissional treinado para achar soluções para problemas relacionados a sono ou tensão; aulas ilimitadas de ioga e de meditação e o uso das áreas comuns. Haverá plantonistas de massagem, acupuntura, reiki e reflexologia sete dias por semana. Os terapeutas terão acesso ao prontuário médico de cada sócio, para evitar o estresse de perguntar sobre a saúde a cada sessão. Haverá um café aberto para o público no térreo. “As pessoas já estão consumindo esses produtos. A gente só vai juntar tudo em um lugar”, diz Kane Sarhan, um dos fundadores do Well. Além do clube para desestressar, o lugar vai entrar, ainda que de leve, no mundo do trabalho. Uma das atrações se chama Assemblage, e é um espaço de coworking que, em vez de oferecer cerveja, tem uma programação com exercícios de mindfulness e petiscos ayurvédicos nas geladeiras. O lugar é um negócio sério: Rebecca Parekh, uma das fundadoras, era executiva do Deutsche Bank antes de entrar na empreitada. “Dez anos atrás, se a gente falasse de banhos de som e cura com energia, ia parecer uma coisa completamente hippie”, analisa Beth McGroarty, diretora de pesquisa do Global Wellness Summit, maior congresso de assuntos holísticos do mundo. “Agora, é um assunto central. As pessoas estão soterradas por conexões digitais e querem dar um chacoalhão nos seus cérebros.” Para entrar no Well é preciso ser convidado. Até o fim do ano, o clube vai mandar cartas para 200 pessoas que gostaria de ter como sócio. Depois disso, esses sócios-fundadores poderão indicar amigos até chegarem ao número máximo de 2 mil pessoas. Kelly, a RP que gasta um quarto do seu salário com produtos místicos, está esperando um envelope com o convite para fazer parte do clube Well. “E posso confessar que isso me deixa um pouco estressada?”, ela pergunta, antes de colocar uma bala ansiolítica de camomila orgânica debaixo da língua. O mercado holístico movimenta US$ 3,7 trilhões no mundo, quase o dobro do PIB do Brasil.

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