Assistir ao documentário "O Golpista do Tinder", da Netflix, tem levado muitos espectadores — melhor, espectadoras — a se perguntar: eu cairia nessa? De fora da história, talvez seja fácil responder com um "não", mas vítimas de golpistas como o israelense Simon Leviev atestam que elas mesmas achavam impossível se ver em uma situação dessas. Até se darem conta de que não era amor, era golpe.
Vergonha e culpa vêm à tona com força, e é por causa desses dois sentimentos que muitas mulheres preferem manter suas histórias em segredo. Ou então, no anonimato, como foi o caso das duas mulheres com as quais Universa conversou.
"Ele é um perigo à sociedade. Mas está solto fazendo mais vítimas"
"Conheci o golpista em um aplicativo de relacionamento em janeiro de 2020. Ele disse que era diretor da empresa XP Investimento, que morava em Portugal, que tinha recém chegado de lá e por isso não tinha conta em banco aqui no Brasil.
Ele ficava pedindo dinheiro emprestado, além de perguntar se não queria investir dinheiro na XP. Hoje eu sei que era tudo mentira. Ele é muito simpático, envolvente, amigo de todos. Mas tudo que ele falava nunca acontecia. Dizia que tinha um apartamento em reforma em Higienópolis [bairro nobre de São Paulo] e falava para passarmos lá um dia. Quando eu tentava combinar, ele dizia que não dava. Sempre vinha com desculpa.
Também falava que ia me levar para conhecer o trabalho dele mas, na hora, dava pra trás. Comecei a desconfiar que tinha algo errado.
Um dia, vi a carteira de motorista dele e tirei uma foto. Comecei a pesquisar pelos dados dele e descobri que era um mentiroso. A vida que ele falou que tinha era toda inventada. Os apartamentos luxuosos que ele falou que o pai tinha comprado, o negócio da mãe. Tudo mentira. Fiquei em choque.
Terminei e nos afastamos. Ficamos três meses juntos. Senti muita raiva. Fiquei pensando: 'Como fui cair em um golpe?', mas a pessoa te envolve tanto que acabei caindo.
Meu prejuízo foi de R$ 20 mil. Eu bancava tudo, de aluguel de carro a comida. E ele sempre dizendo que me pagaria quando o dinheiro fosse transferido de Portugal para o Brasil.
Descobri outras vítimas dele porque quando coloquei o nome no Google, encontrei o relato de uma e mandei mensagem pelas redes sociais. Hoje, pelo que tenho conhecimento, já passam de 20 as mulheres que ele enganou.
Eu o denunciei e o meu inquérito está acontecendo. Espero que ele seja preso porque é uma ameaça para a sociedade. Enquanto está solto, continuará fazendo vítimas."
Adriana*, 35, de São Paulo.
"Ele era sedutor e envolvente. Caí como uma pata"
"Nos conhecemos em novembro de 2021 por um aplicativo de namoro e começamos a nos seguir no Instagram. Em janeiro deste ano, ele começou a comentar nas minhas fotos, e foi aí que tudo começou.
Ele era muito sedutor, envolvente, se apresentou como engenheiro, mostrou fotos com roupa de trabalho. Em uma segunda-feira, mandou a localização mostrando que estava em Florianópolis, mas na segunda mesmo veio para São Paulo para me ver. Alugou um hotel de luxo na mesma avenida onde eu trabalho e fui conhecê-lo.
Recebia mensagens dele me elogiando muito, dizendo que não poderia perder uma mulher dessa, tão incrível. Caí como uma pata. Um amigo me alertou para algo estranho: 'Ele vai deixar a obra para vir te ver?' Mas eu nem desconfiei que pudesse ser mentira.
O quarto que ele alugou era uma suíte caríssima, mas eu paguei praticamente tudo. Comprei até sabonete para ele. Fui desconfiando de algumas coisas, por exemplo, ele escrevia muito errado. Um engenheiro escreveria daquele jeito?
Depois de três dias, ele me pediu em namoro. Eu aceitei, toda feliz, mas aí veio mais mentira. Ele pediu meu cartão de crédito emprestado para pagar o hotel, disse que ia me pagar de volta. Falou que tinha R$ 76 mil na conta, me mostrou print. Mas hoje acho que ele salva esses prints de contas para tentar provar para as mulheres que ele tem dinheiro.
Eu paguei R$ 2.100 no hotel e comecei a cobrá-lo. E ele enrolando. Continuei cobrando e ele parou de me chamar para ficar com ele no hotel, começou a dizer que eu o estava ameaçando.
Um dia, fui ao hotel e disse que tinha esquecido meu chinelo no quarto. E a atendente, para confirmar, falou o nome inteiro dele. Fiquei em choque: ele tinha me dito um sobrenome, mas era outro. Aí já me dei conta de que era golpe.
Passei o nome completo dele para um amigo, que jogou no Google. Aí descobrimos que ele é picareta.
Além do prejuízo financeiro, tem o emocional. Fiquei muito abalada. Mas pelo menos consegui sair dessa rápido."
Daniela*, 40, de São Paulo.
O que é estelionato amoroso?
Os golpes dos quais Adriana e Daniela foram vítimas podem ser considerados crimes no Brasil. O termo estelionato amoroso, ou sentimental, não está presente no Código Penal, onde consta apenas o crime de estelionato, quando a pessoa tenta obter uma vantagem sobre a outra por meio de fraude, de mentira e induzindo o outro a erro. Mas já faz parte da jurisprudência brasileira.
Em 2015, em uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a vítima alegava ter contraído uma dívida de R$ 101,5 mil para ajudar o companheiro. "Embora a aceitação de ajuda financeira não possa ser considerada conduta ilícita, o abuso desse direito, mediante o desrespeito dos deveres que decorrem da boa-fé, traduz-se em ilicitude, emergindo daí o dever de indenizar", afirmou o juiz Luciano dos Santos Mendes na sentença.
Como denunciar
A orientação é de que a pessoa que possa estar sendo vítima de estelionato sentimental vá a uma delegacia registrar um boletim de ocorrência por estelionato, com o máximo de informações em relação ao agressor que possuir.
Depois, ela deve reunir todos os documentos que possui como prova: mensagens de Whatsapp, e-mail, boletos de pagamento, comprovantes de transferência, de extrato do cartão de crédito.
Com isso em mãos, deve procurar um advogado ou a Defensoria Pública, para que se abra um processo judicial adequado ao caso e a pessoa possa ser ressarcida.