Toda corredora que disputa uma maratona hoje deve uma pequena parte da sua liberdade à Kathrine Switzer, primeira mulher a participar da Maratona de Boston (EUA), em 1967. Na época, apenas os homens podiam integrar quaisquer provas de rua no país, antes mesmo das mulheres se rebelarem contra os padrões vigentes, pedindo maior igualdade entre os seres humanos, na famosa praça de Atlantic City, em 1968. A americana viveu momentos de tensão e vitória naquele gelado dia, e não fazia ideia de que se tornaria parte da história.
Nascida em 5 de janeiro de 1947, nos Estados Unidos, Kathrine resolveu, aos 12 anos, virar uma líder de torcida. Desaprovada pelo pai, que estimulava os filhos a pensarem além dos papéis tradicionais da sociedade, foi incentivada a praticar esportes.
- Meu pai disse: “Ser líder de torcida é algo bobo. Você deve fazer um esporte e ter pessoas torcendo por você”. Eu sempre achei que uma menina podia fazer qualquer coisa que um garoto fizesse, então levei esse conselho a sério. Com o encorajamento do meu pai, comecei a entrar em forma para jogar no time de hóquei do colégio, correndo uma milha (1,6 km), coisa que ninguém fazia nas ruas em 1959 – afirmou Kathrine Switzer, em capítulo publicado no livro "O Espírito da Maratona", de Gail Waesche Kislevitz, republicado em seu site.
Ela jogava na equipe do colégio Linchburg, na Virgínia, e corria diariamente, quando o técnico do time de cross country a convidou para integrar uma prova masculina, que precisava de mais um integrante. Sem saber, Kathrine já estava destinada a ser pioneira no esporte feminino. Em 1966, resolveu se tornar jornalista esportiva, impossibilitada de viver como uma atleta.
- Com o passar do tempo, correr se tornou a arma secreta do meu primeiro amor. Era algo que eu podia fazer por mim, não custava nada, não necessitava muito equipamento e eu amava treinar ao ar livre. Eu sabia que a corrida seria meu esporte de toda a vida. E ainda era boa no que fazia – revelou a atleta.
Na universidade, resolveu perguntar ao treinador do time de cross masculino se poderia treinar com eles, já que não havia uma equipe feminina de corrida. Não-oficialmente, Kathrine começou a correr com os rapazes. Foi quando conheceu Arnie Briggs, o carteiro da faculdade que havia se tornado uma espécie de diretor do time.
- Arnie era um maratonista e já havia participado de 15 edições da Maratona de Boston. Quando o conheci, ele tinha 50 anos. Eu, 19. Ele tinha um problema no joelho e resistência para longos treinos, e estava feliz com a minha presença lá, por isso me adotou e me ensinou o que era correr – disse Kathrine.
Depois de muito treinar e falar sobre a Maratona de Boston, em que Arnie era veterano, Kathrine precisou provar para seu novo treinador que era capaz de correr 42 km. E, aos 20 anos, conseguiu.
- Achamos engraçado não ter nenhuma especificação de sexo na inscrição para a prova, já que só homens loucos participavam dela. Acabei me inscrevendo com o nome de K.V. Switzer, não por medo de ser pega, mas pelo meu sonho de ser escritora e minhas referências literárias na época, J.D. Salinger, E.E.Cummings, T.S. Elliot e W.B. Yeats – afirmou a atleta.
No dia da prova, nevava, ventava e fazia muito frio. Os corredores demonstravam apoio e felicidade ao vê-la participar. Para surpresa de Kathrine, a exceção foi um dos diretores da maratona, Jock Semple.
- Quando me viram, os fotógrafos começaram a gritar “tem uma garota na corrida!” Eu não estava tentando me esconder de maneira nenhuma, pelo contrário, eu estava tão orgulhosa de mim mesma que usava até batom. Jock era conhecido por seu temperamento violento. Em um determinado momento, ele se enfureceu e veio correndo atrás de mim, gritando “saia da minha prova e me dê esse número de peito!” Eu morri de medo. Para minha sorte, meu namorado Tom Miller, de 115 kg, conseguiu empurrá-lo, enquanto Arnie gritava “corra que nem uma louca!”. O resto é história. Minha presença infame não foi oficialmente registrada pela organização. Terminei em torno de 4h20m – descreveu a corredora.
Somente em 1972 as mulheres puderam fazer parte da maratona e, finalmente, se denominar atletas. Com razão, Kathrine é muito orgulhosa do próprio feito.
- Eu tive sorte na vida. Minha família e Arnie sempre me disseram que eu podia fazer tudo que eu quisesse. Como mulher, nunca me resignei a brincar com bonecas ou ser uma líder de torcida apenas. Sim, eu brincava de bonecas e usava vestidos, mas também subia em árvores e praticava esportes como vingança. Depois da minha experiência em Boston, percebi que existem muitas mulheres no mundo crescendo sem esse suporte e sem a noção de que o céu é o único limite. Eu queria atingir essas mulheres e fazer algo para mudar a vida delas. Tudo que você precisa é a coragem de acreditar em si mesma e colocar um pé na frente do outro.
Em sua carreira, Kathrine correu 35 maratonas, criou programas esportivos para mulheres em 27 países, viaja o mundo promovendo corridas e caminhadas femininas, escreveu o livro “Mulher de Maratona” e integra, desde 2011, o seleto grupo pertencente à calçada da fama das mulheres dos Estados Unidos.