O que os filmes que concorrem ao Oscar podem ensinar a classe média

Às vésperas da premiação, autor do livro “Lições de liderança no cinema” faz um balanço dos filmes que concorrem ao prêmio e revela como usa o cinema para educar a afetividade e a liderança dos estudantes de Medicina

| Warner/Divulgação
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No dia 9/2 a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas vai entregar o Oscar para os melhores de 2019. As chances são grandes de Renee Zellweger e Joaquin Phoenix levarem a estatueta de melhor atriz e ator este ano por seus trabalhos em Judy e Coringa. Mas ninguém está 100% convicto de quem vencerá o prêmio de melhor filme. Cinco dos nove filmes indicados têm chances reais de ganhar – o que torna tudo muito mais excitante, pelo menos para os cinéfilos: O Irlandês, 1917, Era uma vez em Hollywood, Coringa e o sul-coreano Parasita.

Pablo González Blasco – autor do livro “Lições de Liderança no Cinema” – recorre ao que batizou de “cinemeducation” para formar desde estudantes de medicina a líderes corporativos dentro dos parâmetros que acredita e pratica: a Medicina Humanista. “Filmes nos fazem pensar, refletir em voz alta. Promover a liderança tem muito a ver com o mundo dos sentimentos e emoções que o cinema nos apresenta – como se fosse um convite para um mergulho mais profundo. O cinema é muito útil na educação da afetividade, cada vez mais necessária na relação médico-paciente hoje em dia. Educar as atitudes implica em promover reflexão, facilitar a descoberta de cada um. Permite extrair das pessoas um compromisso em serem melhores como seres humanos. E o cinema é um grande facilitador desse processo”.

Blasco revela que as pessoas frequentemente perguntam se ele apoia seus ensinamentos em filmes médicos, de doenças, epidemias, biografias de cientistas famosos etc.  Mas, nos últimos 20 anos, a resposta é sempre a mesma: não são filmes médicos. “Os alunos aprendem muito bem sobre o progresso da medicina nas faculdades e cursos de pós-graduação. Nada a acrescentar sobre o conteúdo impecável. O meu foco é apenas lembrar de um detalhe que, com frequência, passa despercebido no meio desse turbilhão científico: a figura do paciente, o ser humano perdido no meio da doença... e dos próprios médicos. Esse é o contexto que me leva a extrair dos fotogramas o que pode servir para lembrar os médicos sobre o que realmente importa, que é o protagonismo do paciente”.

De acordo com o especialista, partilhar a visão do mundo, por ocasião do diálogo e das reflexões que o cinema produz, torna transparentes os valores e a cultura que envolvem a todos. “O cinema é uma forma sensível, rápida e de impacto para se contar histórias. A partir da experiência com o cinema, as pessoas interagem com suas narrativas pessoais, suas histórias de vida. Isso tem um grande poder humanizante que precisa ser estimulado. Podemos afirmar que o uso do cinema está alinhado com a educação moderna, na medida em que usa as percepções do aluno como elemento colaborativo no processo de formação. Contar histórias tem um desdobramento de caráter muito íntimo e pessoal, já que os alunos se espelham nos filmes para refletir sobre seus próprios conflitos. É enriquecedor”.

Warner/Divulgação

 Atores de Peso

Sobre os filmes que concorrem ao Oscar 2020, Blasco diz que a prioridade que concede à idade e à experiência o levou primeiramente até O Irlandês. “Uma aula de interpretação por conta de três septuagenários: Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci – comandados por outro mestre, Martin Scorsese. Um luxo para os olhos nas mais de três horas de fita. Do ponto de vista educacional, tudo ficou mais claro quando li uma entrevista do diretor de fotografia, o mexicano Rodrigo Prieto. Ele relatava os malabarismos que teve de fazer para filmar em espaço de cinco décadas com os mesmos atores: jogos de luz, câmaras diferentes, filtros, e todo tipo de técnicas avançadas. O responsável foi mesmo Scorsese, que bateu o pé e se negou a utilizar atores diferentes para mostrar a passagem do tempo. Isso é a postura de um veterano com muitas horas de voo, que desafia a criatividade da equipe, tira todos da zona de conforto e faz crescer. Ao fim, Prieto se mostrava exultante com o resultado que, talvez, nem ele mesmo acreditava seria capaz de atingir”.

Mas impacto mesmo o médico sentiu com 1917, o filme de Sam Mendes baseado na história contada por seu avô. “Aqui está talvez o núcleo duro, o hardware, do maior recado para os que militam na educação médica. Ensinar a ter consciência de missão. Somos a missão, a vocação que escolhemos, que aceitamos. Quando se assume o compromisso da missão, não há obstáculo que nos freie, superamos os medos, encontramos tempo para cuidar dos que vão se atravessando no caminho, como faz o soldado britânico em desprendimento total da sua pessoa. E desenvolvemos uma persistência, uma teimosia heroica, para avançar mesmo indo contra a falsa prudência dos que militam lado a lado e que teoricamente querem o melhor para nós. Como diz Fernando Pessoa, a vida é o que fazemos dela. Ninguém pode viver a nossa vida por nós. Nem carregar as nossas responsabilidades”.

Blasco afirma que, apesar de nem tudo poder se apoiar nas emoções – já que existem elementos igualmente importantes, como convicções, princípios, deveres e motivações –, é fato que a emoção funciona como um atalho que chega ao coração e abre as portas para a racionalidade construir os alicerces da vida profissional. 

Por fim, o médico ressalta História de um Casamento – que concorre ao Oscar de melhor filme, mas tem poucas chances de levar a estatueta. “As brigas homéricas trazem um ensinamento importante para os médicos. É preciso cuidar do paciente, se dedicar e fazer o seu melhor. Nesse empenho, diariamente tropeçamos nos problemas de cada família. Saber focar no que temos de fazer, e observar com respeito o que não podemos consertar, é parte essencial da sabedoria do médico. Os desentendimentos familiares que a doença provoca podem ser esclarecidos e melhorados. Mas se sentir frustrado por não conseguir ‘consertar’ uma família que leva décadas arrastando problemas é perder o foco, sair do seu círculo de influência, esquecer qual é o seu papel – mesmo na Medicina Humanista. Enfim, quem vai levar o Oscar é um simples detalhe. Para nós, médicos e educadores, uma ideia deve estar clara: o Oscar corresponde sempre ao paciente. O médico, se for bom, se assumir o seu compromisso vocacional, pode aspirar no máximo ao prêmio de melhor ator coadjuvante. O protagonismo é, por direito, sempre do paciente, ainda que a academia (não a de Hollywood, mas a que forma médicos) caia na tentação de esquecer”.

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