Por que o governo quer acabar com a tomada de três pinos?

Especialistas avaliam mudança como retrocesso e alegam que medida pode ter motivações políticas

Por que o governo quer acabar com a tomada de três pinos? | Reprodução
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A equipe econômica do governo Bolsonaro estuda mudar até o final do ano a legislação que estabelece o uso obrigatório da tomada de três pinos no país.  Segundo o Ministério da Economia, a medida faz parte de um pacote de revisão de regulações que “causaram e causam um grande dano econômico”. As informações são do site InfoMoney.

Ainda não se sabe como seria feita a substituição do atual padrão de tomadas brasileiras, se o governo vai apenas retirar a obrigatoriedade da tomada de três pinos, tornando o modelo opcional, ou se vai extingui-la de vez. Mas qualquer mudança precisa ser aprovada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).

O conselho reúne nove ministros e os presidentes do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

Defensores da mudança apontam que tornar opcional a tomada de três pinos facilitaria a importação de produtos, principalmente dos Estados Unidos, já que a obrigatoriedade exige que os plugues americanos ou de outros países sejam adaptados ao padrão brasileiro, implantado oficialmente em julho de 2011.

Antes da padronização, o Brasil tinha mais de 12 tipos de plugues e oito tipos de tomadas diferentes, porque os produtos importados, ou até mesmo os fabricados nacionalmente, seguiam um modelo determinado pelo país importador ou pelo fabricante. Essa condição exigia o uso de diversos adaptadores para a ligação dos equipamentos, aumentando os riscos de sobrecarga e acidentes.

Proteger o usuário e assegurar a eficiência energética foram alguns dos motivos para a criação da legislação que padronizou as tomadas e plugues no país. Os estudos para a adoção de um padrão foram iniciados na década de 1980, mas foi em 1998 que a norma NBR 14136, que estabelece o padrão da tomada de três pinos, foi publicada pela ABNT.

Em 21 de julho de 2000, o Inmetro publicou a Portaria nº 185, que tornou obrigatório que os plugues e tomadas fabricados e vendidos no país atendessem aos requisitos da NBR 14136. A norma determinou o uso de dois modelos de plugues (tipo C e N) e tomadas de três orifícios de 4 ou 4,8 milímetros para uso doméstico.

Os plugues do tipo N, usados no Brasil e na África do Sul, possuem dois pinos redondos e um terceiro pino de aterramento. Já os plugues do tipo C contam com dois pinos redondos e são adotados em países da Europa, Ásia e África.

Um cronograma de adequação foi criado visando facilitar a implementação do padrão na indústria e no dia a dia do consumidor. O último prazo para a implantação do padrão brasileiro foi em julho de 2011, com a proibição da venda de tomadas no padrão antigo em todo o território nacional.

Motivação política?

Apesar do longo histórico de discussão e implementação, uma ala de assessores do governo Bolsonaro chama o plugue de três pinos de “tomada do PT”, por causa do período em que o padrão se tornou obrigatório – indicando que a rejeição ao modelo de três pinos talvez sofra influências políticas.

Para Josemir Coelho, professor do departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica da USP, a associação do padrão técnico ao PT ou a qualquer outro partido não faz sentido.

“A obrigatoriedade já estava decidida há mais de dez anos, porque a exigência do Inmetro se deu no início dos anos 2000. O prazo acabou no governo petista, mas ele não teve participação nenhuma no processo. A adoção desse modelo foi uma tentativa do Brasil de se harmonizar com um possível futuro padrão mundial de plugues proposto pela Comissão Internacional de Eletrotécnica”, explica Coelho.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, em junho do ano passado, Carlos Alexandre da Costa, secretário especial de Produtividade e Competitividade, responsável pelo desenvolvimento da proposta, disse que o padrão de três pinos é uma “excrescência”.

Segundo Costa, a revogação da obrigatoriedade terá grande impacto econômico pois irá diminuir os custos de adaptação dos plugues de equipamentos importados para o padrão vigente. “A sociedade brasileira, com toda legitimidade, rejeitou a tomada de três pinos”, afirmou o secretário, complementando que a medida “Não é só um tema técnico. É um tema que afeta a segurança, a concorrência e a produtividade”.

Em abril do ano passado, Filipe Martins, assessor internacional do Planalto, já havia recorrido à sua conta no Twitter para defender a ação. “Temos que nos livrar [agora] da tomada de três pinos, das urnas eletrônicas inauditáveis e do acordo ortográfico”, disse em um post que gerou críticas sobre as prioridades do governo.

Martins, de 31 anos, é um dos expoentes da chamada ala ideológica do governo e sempre foi visto como um dos assessores mais influentes de Bolsonaro. Em junho, inclusive, foi promovido pelo presidente de assessor-adjunto para assessor-chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais.

Procurado, o Ministério da Economia, pasta à qual a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade é vinculada, informou que não comenta medidas ainda não publicadas.

Mudança pode ser prejudicial e deve custar caro

Em 2019, o governo solicitou uma análise de impacto regulatório ao Inmetro, e o órgão apontou que a substituição causaria mais prejuízos do que vantagens ao país. Meses depois – pressionado pelo governo, segundo fontes próximas à Secretaria de Produtividade disseram a alguns jornais -, o Inmetro publicou uma nota afirmando considerar “tecnicamente viável a disponibilidade de outro padrão internacional de tomada”.

No texto, o órgão diz que é possível flexibilizar a adoção de outro padrão de tomada preferido pelo consumidor, “de acordo com a melhor aderência aos plugues de seus equipamentos eletroeletrônicos”.

A mudança, porém, é vista como prejudicial até por antigos críticos da tomada de três pinos, como Marco Aurélio Sprovieri, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Material Elétrico e Aparelhos Eletrodomésticos no Estado de São Paulo (SincoElétrico).

O executivo, à época das discussões, foi contrário à padronização da tomada de três pinos porque sua obrigatoriedade causaria muitos transtornos e envolveria altos custos, tanto para os fabricantes, quanto para a sociedade. Hoje, ele vê com preocupação a revogação da obrigatoriedade.

“O grande problema é saber qual caminho está sendo desenhado para a extinção do padrão. As pessoas que adaptaram as suas tomadas em casa ao novo padrão vão ter mais custos e vão tentar criar maneiras pouco inapropriadas para se adaptar novamente. O custo para a sociedade é muito grande”, diz o presidente do SincoElétrico.

Segundo Sprovieri, uma residência pequena, com um dormitório, tem cerca de oito tomadas, em média. Uma nova mudança no padrão, por exemplo, geraria um custo para o consumidor de R$ 15 por tomada, ou R$ 120.

Os custos com um eletricista para realização do serviço variam de acordo com a região do país. De acordo com o GetNinjas, uma das maiores plataformas de contratação de serviços do Brasil, a troca de cada tomada custa em média R$ 30. Segundo dados do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), no Ceará, por exemplo, a troca de uma tomada custa R$ 20.

Somando o preço da tomada ao custo da mão de obra, em uma casa com oito tomadas, o valor poderia chegar a R$ 360.

Para Sprovieri, o ideal seria que o governo permitisse que as indústrias fabricassem adaptadores de qualidade para os plugues que não são de três pinos. “Esses adaptadores genéricos aceitam todos os padrões e são usados em vários países do mundo. Essa poderia ser uma solução para evitar que uma nova mudança gere mais danos”.

Os adaptadores disponíveis no mercado são encontrados em diferentes formatos e têm preços variados. Os mais simples, com adaptação para uma tomada, são vendidos a partir de R$ 4. Porém, o seu uso é recomendado para aparelhos de pouca potência para evitar uma sobrecarga.

Josemir Coelho, da USP, reforça que, sem critérios técnicos bem definidos, a autoridade que elimina uma medida de segurança, como a obrigatoriedade da tomada de três pinos, precisa ser responsabilizada.

“A segurança não parece ser importante para quem quer retirar o padrão, porque o terceiro pino serve para aumentar a segurança do usuário e isso já foi confirmado. Quem segue as normas tem instalações seguras e uso seguro de equipamentos elétricos, mas isso tudo é um conjunto. Se qualquer parte for eliminada, acaba a segurança. Essa é a discussão que deve ser feita”, afirma o professor.

Associação reforça questões de segurança

Para a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) a mudança na legislação pode gerar grandes riscos de segurança, além dos impactos econômicos negativos – já que a mudança foi assimilada pelo consumidor.

A entidade alerta que a revogação do padrão é um “retrocesso na prevenção de acidentes”, porque o motivo para implantação do padrão foi eliminar a possibilidade de “choque elétrico com risco de morte, o funcionamento inseguro com aquecimento e risco de incêndio, e as perdas de energia devido a conexões inseguras”.

Segundo a Abinee, o design do padrão adotado pelo país evita choques elétricos, porque fica mais difícil de o usuário ter contato acidental com os pinos ao encaixar o plugue.

Apesar da segurança do padrão, a falta de projetos elétricos na maioria das residências do país ainda é um problema. De acordo com dados da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), o número de mortes por acidentes envolvendo choques elétricos cresceu 12% em 2019, na comparação com 2018, saindo de 622 para 697 óbitos.

“As causas mais comuns atribuídas aos acidentes são as gambiarras elétricas, as instalações antigas, a falta de manutenção, o desconhecimento do risco e o uso de uma mesma tomada para conexão de diversos equipamentos ao mesmo tempo”, afirma a associação.

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