Ridicularizar cliente pode gerar demissão por justa causa. Foi o que aconteceu com a atendente de telemarketing que imitou para os colegas uma cliente gaga pedindo informações sobre uma promoção. Ela não sabia que a cliente estava ouvindo a brincadeira do outro lado da linha. A 5ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) manteve a demissão por justa causa, por entender que a ridicularização violou gravemente o princípio da dignidade humana.
A trabalhadora entrou com ação para tentar reverter a demissão por justa causa determinada pela Brasil Center Comunicações Ltda. A empresa dispensou a autora depois de ter recebido reclamação do marido da cliente. A 3ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto já havia negado o seu pedido.
A telefonista alega que tinha acionada a tecla mute para que a cliente não escutasse seu riso involuntário, em razão da gagueira da cliente. E afirma não ter culpa pelo dispositivo não ter funcionado. Ainda destaca que o marido da cliente, ao reclamar do ocorrido, reconheceu que, apesar de tudo, ela foi bem atendida. Também argumentou que embora tenha assinado o recebimento do Código de Ética da empresa, não teria condições de ler todas as páginas no momento da contratação.
O relator, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, afirmou que discriminar pessoas que têm gagueira é tão errado quanto ridicularizar pessoas com qualquer outra deficiência.
- A gagueira é um distúrbio de fluência, caracterizada por repetições, alongamentos ou bloqueios de sons ou de sílabas ou pela evitação dessas difluências, sendo causada por um mau funcionamento de áreas do cérebro relacionadas à temporalização da fala, o que diferencia as pessoas gagas daquelas que são fluentes - explica didaticamente o relator.
De acordo com o desembargador, a telefonista cometeu falta grave que revela justa causa, "principalmente porque trabalhava numa atividade cujo foco é justamente o atendimento ao público em geral, sendo inadmissível a maneira como reagiu diante da deficiência alheia".
Santos citou entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo com o escritor português José Saramago. Nela, Saramago fala sobre sua gagueira:
- Aqueles que gozam da sorte de uma palavra solta, de uma frase fluida, não podem imaginar o sofrimento dos outros, esses que no mesmo instante em que abrem a boca para falar já sabem que irão ser objeto da estranheza ou, pior ainda, do riso do interlocutor.