Em 2 de junho, a editora Penguin lançou, nos EUA, uma nova tradução em inglês de Memórias Póstumas de Brás Cubas – que disputa com Dom Casmurro o título de livro mais influente de Machado de Assis. A tradutora da edição fresquinha, Flora Thomson-DeVeaux, comemorou no Twitter: “Eu sei perfeitamente que é um momento estranho para celebrar o lançamento de um livro [em referência aos protestos por igualdade racial nos EUA e o movimento #blackouttuesday]. Mas eu não teria dedicado anos da minha vida a traduzir este aqui se não estivesse convencida de que é um romance eterno.” As informações são da revista Super Interessante.
O lançamento em 2 de junho, na verdade, foi bastante simbólico, pois Machado de Assis era negro. “Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra de seu tempo”, escreveu Thomson-DeVeaux em outro Tweet. “Mas, de maneiras que dão crédito a Machado e tiram crédito de nós, também é uma obra de nosso tempo. Há ecos – troque a febre amarela por covid. E há continuidade – racismo sistêmico, tão pungente hoje quanto era na década de 1880.”
Os americanos gostaram muito e o livro físico esgotou nos sites da Amazon e da livraria Barnes & Noble em um dia (diga-se de passagem, ainda está esgotado até a data da redação desta nota, na quinta-feira). É obra de literatura latino-americana mais vendido no momento. Também, pudera: não faltam recomendações. Alguns dos maiores críticos e autores gringos de todos os tempos não economizaram elogios a Machado.
O poeta beat Allen Ginsberg disse que ele é outro Kafka; Harold Bloom afirma que é o maior escritor negro de todos os tempos; Susan Sontag, que é o melhor da América Latina. Sontag, diga-se, assina o prefácio da primeira tradução do livro em inglês, que foi publicada ainda na década de 1950.
Um trecho do prefácio da nova edição foi publicado na revista New Yorker sob o título “Redescobrindo o livro mais espirituoso já escrito” e ajudou a dar um gás nas vendas.
Nas semanas que antecederam o lançamento, a tradutora publicou, em fios no Twitter, análises minuciosas de trechos do livro, comentando o desafio de traduzi-los (e também o desafio posterior de inserir notas de rodapé para explicar o que são e significam lugares e expressões brasileiras que escapam completamente aos americanos). Entre eles, este aqui chama a atenção:
Quando Memórias Póstumas foi lançado, no século 19, o cunhado de Machado precisou consolá-lo porque o livro foi praticamente ignorado: “E se a maioria do público leitor não entendeu seu último livro? Há livros que são para todos, e livro que são para poucos – o seu último é do segundo tipo, e eu sei que ele foi apreciado por aqueles que o entenderam – além disso, como você sabe bem, os melhores livros não são os que estão mais em voga.”
Até hoje, o livro é lembrado por adolescentes como uma obrigação monótona do currículo escolar. É uma pena que o colégio tenha manchado a fama de Machado: ele é sutil e conta histórias que realmente dão vontade de ler – intercaladas com comentários e divagações que realmente dão vontade de rir. É um livro para todos, e não só para alguns. O vocabulário obviamente é antiquado em alguns momentos – mas não é culpa do Machado que ele viveu um século antes de você. Agora é esperar os gringos descobrirem Dom Casmurro. Será que eles vão acreditar em Bentinho ou Capitu?