Uma pesquisa da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) mostrou que 22,3% dos ginecologistas consideram que a pílula anticoncepcional de emergência, mais conhecida como ?pílula do dia seguinte, provoca um "microaborto" ? conceito que está incorreto, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Uso frequente da pílula traz riscos
A principal função da pílula de emergência é evitar a ovulação da mulher ou impedir que o espermatozoide chegue ao óvulo, evitando a gestação. Segundo a OMS, esse método de contracepção é indicado para mulheres que fizeram sexo sem proteção, tiveram problemas com outros métodos contraceptivos (como se esquecer de tomar a pílula ou ter a camisinha estourada), ou, principalmente, para aquelas que sofreram abuso sexual.
De acordo com o levantamento, 56,9% dos entrevistados dizem que o mecanismo de ação da pílula de emergência é prevenir ?a implantação do ovo fertilizado", interrompendo um processo chamado nidação ? que é a fixação desse ovo fecundado na parede do útero. Apesar de essa expressiva porcentagem não estar errada, já que esse método de contracepção consegue impedir a nidação, esse não é seu principal mecanismo de ação.
Para o biólogo William Alexandre de Oliveira, autor do estudo da Unicamp, esses resultados chamam atenção para um aspecto importante: a percepção de ginecologistas e obstetras sobre a pílula de emergência influencia significativamente na decisão dos médicos de recomendá-la ou não como um método de contracepção e de prevenção à gravidez. Assim, alguns médicos não prescrevem a pílula por desconhecerem seus efeitos.
Tanto é que 89,3% dos médicos entrevistados já prescreveram o método pelo menos uma vez durante o tempo de exercício da profissão - o que indica que 10,7% deles nunca sequer recomendaram a pílula, diz Oliveira.
- O percentual dos médicos que nunca tinham informado sobre a pílula anticoncepcional de emergência ou prescrito o método foi mais que duas vezes maior entre aqueles que acreditavam que ela provocava um ?microaborto? do que entre aqueles que tinham outra percepção sobre seu mecanismo de ação.
Segundo a ginecologista Aricia Galvão Giribela, da comissão de anticoncepção da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), já existem evidências científicas suficientes de que a ?pílula do dia seguinte? não é abortiva, mas, sim, um método contraceptivo.
- Ela é considerada um método de contracepção de emergência. Não é para uso repetitivo, mas para uso ocasional.
Para o pesquisador da Unicamp, o que também pode influenciar o comportamento dos médicos são suas convicções religiosas e a opinião pública.
- [A religião e a opinião pública] devem ter um papel na postura que os médicos assumem em relação à pílula anticoncepcional de emergência, pois o tema do aborto é reconhecidamente controvertido.
Ação da pílula depende do ciclo menstrual
A fertilização ocorre quando o espermatozoide se une a um óvulo nas trompas do aparelho reprodutor feminino. Depois disso, esse ovo fecundado se encaminha para o útero, dando início, nesse trajeto, à sua divisão celular (começa seu desenvolvimento). Ao chegar ao útero, o óvulo fecundado se fixa no endométrio, que é a parede uterina. Somente após esse processo (chamado nidação) a gravidez se estabelece: o ovo está ?conectado? à mãe, passa a se chamar embrião e começa a crescer.
Apesar de não ser seu principal mecanismo de ação, a ?pílula do dia seguinte? consegue impedir que um óvulo fertilizado se implante no útero. Nesse caso, o ovo (que está no caminho entre as trompas e o útero) será eliminado com a menstruação. Como a nidação foi impedida, a gestação não aconteceu, por isso esse método não é considerado abortivo.
No entanto, se o embrião já estiver formado e unido à parede uterina, a pílula de emergência não terá nenhum efeito. A gravidez, nessa situação, está estabilizada, o embrião está crescendo e, mesmo que a mulher tome a pílula, o feto em desenvolvimento não sofrerá nenhuma consequência. (Saiba mais sobre como uma mulher engravida e como age a ?pílula do dia seguinte? no infográfico abaixo).
Consequências
A pílula de emergência possui uma alta dose de hormônios, da classe das progesteronas. A recomendação dos médicos é de que ela seja tomada até 72 horas após a relação sexual desprotegida.
De acordo com o ginecologista e obstetra Abner Lobão Neto, coordenador do Pré-Natal Personalizado da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), à medida que as horas passam, o método passa a ser menos eficiente.
Apesar da a ?pílula do dia seguinte? ser um método de contracepção seguro e eficiente, o seu uso exagerado pode trazer consequências para o organismo das mulheres. Por isso, a recomendação dos médicos é recorrer a esse tipo de método somente nos casos de emergência.
Para o dia a dia, o melhor continuam sendo a pílula anticoncepcional tradicional e, ainda, o preservativo, que além de evitar uma gravidez indesejada, protege contra as doenças sexualmente transmissíveis.