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Reportagem desmistifica a prática do sexo anal entre parceiros

O preconceito porém, é proporcional ao nosso fascínio.

Há aproximadamente quatro mil anos, Deus olhou para a Terra e flagrou os habitantes de uma cidade entre o Rio Jordão e o Mar Morto entregues aos prazeres da carne – mais especificamente, do ânus. É o que conta a Bíblia sobre Sodoma e como seu povo teria desaparecido, por volta do ano 1.400 a.C, ao provocar a ira do Senhor com tamanha lascívia. Os sodomitas sumiram, mas, hoje, em pleno século 21, o pecado deles permanece vivo entre nós.

Não é para menos. A região anal não foi necessariamente “projetada” para o sexo e, em um país com forte influência religiosa, usar uma parte do corpo pura e simplesmente para o prazer é chocante. “Além de não servir à procriação, a prática é comum nas relações sexuais entre homens, e nós somos muito preconceituosos”, resume a psicóloga e educadora sexual Ana Canosa.

O preconceito porém, é proporcional ao nosso fascínio pela região. Recentemente, uma performance artística causou enorme polêmica porque os atores exploravam os ânus uns dos outros em cena. “Isso lá é arte?!”, esbravejaram os mais educados críticos da internet sobre o espetáculo “Macaquinhos”, que foi exibido até na Europa.

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Hipocrisia

Se, na prática, o ânus tem seu lugar cativo, no discurso, não é bem assim. Itor Finotelli, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana, comenta o quanto somos hipócritas em relação a sexo. “Veja a pornografia, por exemplo. Nos EUA, há pesquisas mostrando que as pessoas, ao mesmo tempo em que usufruem do pornô, reprovam seu consumo.”

No caso do sexo anal heterossexual, estudos recentes mostram que há mais abertura para a prática, embora não seja possível ter certeza se as pessoas estão fazendo mais ou apenas falando mais sobre o assunto. Segundo o Kinsey, importante instituto de pesquisa do comportamento sexual, entre os anos de 1938 e 1963, menos de 10% dos homens heteros relatavam curtir a experiência. Em 2002, um estudo nacional norte-americano revelou que esse índice havia saltado para 34%.

“O problema é que, para a maioria de nós, o sexo anal ainda é para ‘dar de presente’, e não visto como uma potencial fonte de prazer”, afirma Nathalia Ziemkiewicz, jornalista pós-graduada em educação sexual e idealizadora do site Pimentaria. Ela acrescenta que muitas acreditam que praticar o sexo anal é um hábito de meninas “fáceis” e “vagabundas”.

A noção pejorativa da prática tem raízes históricas. Em muitas passagens de guerra, soldados praticavam estupros coletivos dessa forma, fazendo com que a penetração anal se tornasse associada unicamente à dor e à submissão. “Ao ouvir ‘sexo anal’, ninguém pensa em carícias e beijos, muito menos entre duas mulheres. É um abstrato distorcido”, diz Finotelli.

O imaginário masculino também se alimenta dessa noção. Para um homem hétero, é relativamente fácil obter sexo vaginal com a parceira, já o anal é mais difícil (justamente por conta das amarras morais) e, portanto, mais “valoroso”.

Para completar a mítica que envolve o ânus, existe ainda a influência de preconceitos de gênero nos discursos sobre o assunto. De acordo com o senso comum brasileiro, se um homem pratica sexo anal com sua parceira, ele é o herói. Já a mulher que decide explorar essa possibilidade é a vagabunda. “Na superfície social, o homem percebe isso de forma compulsória, do tipo ‘se ela quiser praticar, já topei’. O mesmo não acontece na perspectiva feminina: se uma mulher menciona o sexo anal, significa que há algo de errado com ela”, compara Finotelli.