"As ideias perturbam a regularidade da vida". Isso ficou escondido no diário da Susan Sontag por dezenas de anos (saiu agora no Brasil pela Companhia das Letras). Ela tinha 16, quando rabiscou a frase. Dezesseis. Em seguida ela se pergunta: "...
E o que é ser jovem durante anos e de repente despertar para a angustia, a premência da vida?" Dezesseis anos... E eu me ponho a pensar. Não somente sobre a Susan Sontag, mas sobre as Susans Sontags que sempre pontificaram a minha imaginação. Onde elas estão? Onde elas andam?
Qual a razão de muitas dessas mulheres brilhantes optarem, invariavelmente depois casamentos intrincados, por relacionamentos homossexuais? Sontag terminou a vida ao lado da fotógrafa Annie Leibowitz. Simone de Beauvoir tinha um casamento "fraterno" com Sartre. Durante a vida dividiu o leito com homens, e em especial com mulheres, com intensidade.
A Clarice Lispector, que amou o romancista Lúcio Cardoso que era homossexual, decretou: "a vida conjugal sufoca". O "sufoco" é um clássico. Para homens e mulheres, claro. Mas especulo se esse veneno não é mais venenoso para as mulheres. Especulo se toda essa futilidade que vemos nas novelas da TV, nas capas das revistas femininas, se todo esse consumismo boboca, não é uma resposta - meio histérica, meio neurótica - das mulheres ao sufoco da vida conjugal. (Onde andam as Susans Sontags de agora?)
Em "Cenas de um casamento", do Bergman, a personagem da Liv Ullmann se surpreende ao se identificar com uma mulher mais velha, que diz que depois de anos de casamento "tudo parece insignificante, cinzento, indigno". O casamento foi tido sempre como um projeto feminino. Como se numa relação familiar estável todas as inquietações "delas" se resolvessem.
Mas mesmo que o folclore diga o contrário, mesmo que os homens jurem o reverso, talvez a vida conjugal tradicional seja muito mais uma necessidade masculina. Semana passada um sujeito em Belo Horizonte executou a tiros, à queima roupa, à luz do dia, diante de testemunhas e de câmeras, a mulher que não o queria mais. A faísca da loucura resolveu a tragédia que é, para um homem abandonado, existir.
"As ideias perturbam a regularidade da vida". Em parte talvez isso explique o fato de algumas mulheres de ideias, como a Susan Sontag, optarem por um outro tipo de vida conjugal. É que homem sufoca.