Na última vez em que estive com Aguinaldo Silva, há dez dias, perguntei qual a coisa mais doida que ele já fizera em novelas até então. O autor pensou um momento, provavelmente repassando em sua cabeça cenas como a morte de Jorge Tadeu de Pedra sobre Pedra (1992) ou o incêndio que transformou Altiva numa bruxa assustadora em A Indomada (1997), e respondeu: “Foi a ventania que varreu Santana do Agreste do mapa em Tieta.”
Explicou que o roteiro do último capítulo da novela de 1989 continha uma artimanha dele e do diretor Paulo Ubiratan (1947-1998) para evitar que fosse feito um seriado com os personagens, muito populares na época. Depois da última semana, pode-se imaginar que a resposta do autor de Império seria outra.
A “nova Cora”, que surgiu com o que vem sendo chamado nas redes sociais de “véu rejuvenescedor”, é uma das maiores ousadias com verniz surrealista da teledramaturgia nacional. Foi uma solução encontrada às pressas, como se sabe, porque Drica Moraes, que vinha interpretando a personagem na fase madura, precisou de uma licença médica. No seu lugar, Marjorie Estiano, que viveu a megera na primeira fase, reassumiu o posto – para deixar os demais personagens e o público de queixo caído.
Muitos foram à internet criticar a saída escolhida pelo autor. Ele poderia, é verdade, matar Cora de vez – mas não seria muito ruim perder a vilã mais manipuladora da novela? Outra alternativa seria trazer uma atriz de idade compatível com Drica e fingir que nada aconteceu – mas não seria bem menos divertido do que convidar Marjorie a voltar? E, sobretudo, a repercussão da “Cora jovem” não atrai muito mais olhares para a novela do que qualquer outro recurso dramatúrgico conseguiria atrair?
Poucos autores poderiam tomar tal liberdade numa novela das 9. No registro realista de Gilberto Braga e Manoel Carlos, por exemplo, seria impensável algo do tipo. Já Silvio de Abreu, que mistura o realismo com um humor fantasioso peculiar, bem que poderia se aventurar em algo parecido. Mas, entre todos, Aguinaldo Silva é o dono da trajetória que o credencia a tal birutice deliciosa. Ainda que desde Senhora do Destino (2004) ele estivesse tentando se distanciar da inventividade surrealista que o consagrou, como um verdadeiro herdeiro de Dias Gomes (1922-1999), Império vem demonstrando que o autor pode até sair do realismo mágico, mas o realismo mágico não sairá dele tão fácil. É que a novela engana os que pensam se tratar de uma obra realista e contemporânea. Com estrutura medieval, ela vem fincando os pés no absurdo aos poucos e muito antes de Cora mudar de cara.
Confira 7 momentos da novela que desafiam a realidade:
Era vidro e se quebrou
Quando resolveu quebrar o diamante cor-de-rosa do Comendador José Alfredo (Alexandre Nero), para deflagrar uma corrida maluca pelos cacos valiosos, o autor procurou um especialista em pedras preciosas. “Ele disse que a única chance de isso acontecer seria submeter a pedra a altas temperaturas e, depois, fazê-la sofrer uma queda drástica”, conta Aguinaldo a QUANTO DRAMA!. O autor criou, então, a sequência hilariante em que Lorraine (Dani Barros) põe o diamante no microondas – coisa que você só vê mesmo em novela de Aguinaldo Silva.
Forever young?
Dizem que Madonna, Ana Maria Braga e Susana Vieira já estão batendo à porta de Aguinaldo para saber mais sobre o tal “véu rejuvenescedor” que repaginou Cora. Mas alto lá, que ninguém disse ainda que se trata de plástica ou bruxaria – tudo pode não passar de um truque. “Vai saber se a nova Cora não é Corina, uma sobrinha distante que assumiu o lugar da tia?”, diverte-se o autor.
Gente morta
Aguinaldo confessou que se arrependeu de ter escrito a morte do personagem Jairo, porque o ator, Júlio Machado, ficou muito bem no papel. “Ele fez um lobisomem perfeito – um lobisomem que rouba bolsas! Quem sabe ele não ressuscita? Em novela tudo é possível”, observou, em tom de mistério. Não é um acaso, portanto, que o ladrão de bolsas morreu mas segue em cena, como o fantasma que vem pedir a ajuda da mãe, Jurema (Elisângela).
Delírio
Em mais um momento sobrenatural, Severo (Tato Gabus), teve uma ajuda de um garçom-fantasma – como o de O Iluminado (1980) – para apostar no cavalo Falso Brilhante e, quem diria, ficar rico.
Rasputin
Todo reino de respeito tem seu feiticeiro e Império não é diferente. O “xamã branco” mais do que suspeito anda arrasando nas poções mágicas. Depois de preparar o sonífero que pôs Cora para dormir – mas, veja bem, não a ponto de apagar sem contar o esconderijo do diamante cor-de-rosa –, é ele que dará a substância capaz de fazer o Comendador fingir.
Digerindo a verdade
Em momento dramático, a família do Comendador e os telespectadores esperam para saber o resultado do exame de DNA que comprovará a paternidade de Cristina (Leandra Leal). E o que faz José Alfredo? Enfia na boca e engole o laudo, ora.
Desta para melhor – ou não
Falta pouco para José Alfredo pôr em prática o plano de fuga para debaixo da terra. A sequência promete emoções fortes, dignas de CSI, e muita fantasia. Mas mesmo que por um triz, o Comendador será salvo pelo fiel Josué, no último minuto – claro.