Fazia casting atrás de casting, mas não trabalhava, não era chamada para nada. Ficava naquela expectativa, no vai ou não vai. Era muita agonia e eu não tinha muita paciência, porque tinha deixado meu filho de um ano no Piauí, precisando da mãe.
Quando saí de Miguel Alves [cidade de 30 mil habitantes no Piauí] para participar de um concurso em São Paulo, não pensei que a carreira de modelo ia vingar. Pensei que ia fazer uns bicos, ganhar um dinheiro, não tinha pretensão nenhuma.
Eu amo a minha cidade, mas lá não tem muita oportunidade. E a carreira de modelo foi a chance que eu tive de sair de lá, construir um futuro melhor para mim e para o Alexandre. Ser modelo não era um sonho, mas graças a Deus eu estava no lugar certo e na hora certa. Por isso, deixei o Alexandre com a minha mãe e vim para São Paulo.
Nunca pensei 'o Alexandre é um estorvo na minha carreira' ou que alguma coisa não daria certo porque eu tinha ele. Afinal, fiz tudo por ele. E ainda faço.
"Engravidei aos 18 e para fazer as provas levava meu bebê para a escola"
Eu não sonhava em ser modelo, queria ser enfermeira. Numa cidade pequena do Nordeste do Brasil, eu tinha duas opções: ser professora, como toda a minha família, ou enfermeira. Outras carreiras nem passavam pela minha cabeça — muito menos a de modelo.
Engravidei aos 18 anos, enquanto ainda estudava. Foi uma surpresa, claro, mas a minha família me acolheu desde o primeiro dia, assim como o pai do Alexandre. Até hoje, eu e ele somos muito amigos.
Minha mãe deixou as coisas dela para me ajudar a cuidar do meu filho. Graças a esse apoio, não parei de estudar quando ele nasceu. Eu acordava cedo, tirava o leite — do jeito manual, porque a gente não tinha dinheiro para comprar essas bombinhas — e deixava no congelador. No intervalo da escola, pegava a moto e voltava para casa, para dar de mamar e tirar mais leite.
Todo sábado tinha simulado na escola e eu levava ele comigo. Eram 70, 80 questões, e o Alexandre do meu lado, no carrinho. Às vezes, quando ele chorava, a professora pegava no colo para eu não precisar parar a prova.
Tira leite, vai para a escola, volta, tira mais leite. Essa rotina durou oito meses. Não vou dizer que foi simples, mas tive tanto apoio que pareceu possível
Eu sempre fui muito magra, muito alta e tinha vergonha desse padrão de corpo, porque isso não é sinônimo de beleza no Nordeste. Mais um motivo pelo qual nem passava pela minha cabeça ser modelo.
Mas eu tinha uma amiga que trabalhava como modelo na época e me apresentou esse universo, me levou até uma agência. Ela era mais "gostosa", tinha corpão, sabe? E eu era muito magra em comparação a ela. Então os trabalhos que eu conseguia eram de panfletar em porta de evento, essas coisas.
Um dia, soube que o concurso Beleza Mundial estava fazendo uma seleção em Teresina e a dona da agência nem tinha me avisado. Mas, como sou muito teimosa, fui. E acabei selecionada para passar por um treinamento em São Paulo, antes de participar da final do concurso, que seria aqui [Lais mora em Nova York, mas estava em São Paulo quando falou a Universa].
Lembro como se fosse hoje: vida de modelo no começo, com a grana curta. Eu nem sabia cozinhar, comia muito miojo, era perrengue. Às vezes, chegávamos a morar com 17 modelos num apartamento de três quartos e um banheiro. Por três meses, foi uma agonia: muito casting, nada de trabalho. Até começar a as semanas de moda, a São Paulo Fashion Week e o Fashion Rio.
Fui recordista de desfiles no Rio e em São Paulo, nem sei como isso aconteceu. Fazia sete desfiles por dia. Lembro que no Fashion Rio de 2011 fiz 27 desfiles — a programação toda tinha 30. No final, minha pálpebra estava assada de tanto maquiar, tirar e maquiar de novo — a maquiagem nem fixava mais.
Alguns olheiros de agências vieram de fora para ver os desfiles do Brasil e me escolheram. De São Paulo, fui direto para Nova York e fiz todo o circuito de semanas de moda: Nova York, Londres, Milão e Paris. Depois disso, nunca mais parei.
"Quem é Givenchy? Quero ir para casa ver meu filho"
Saí do Piauí pensando para passar alguns meses em São Paulo e, quando vi, tinha ido para Nova York, Londres, Milão e Paris sem conseguir voltar para casa.
Eu chorava quase todos os dias, porque a saudade do meu filho era imensa. Ligava para casa todos os dias, mas não tinha FaceTime e o Alexandre, que ainda era muito pequeno, não sabia falar.
Quando cheguei a Paris não queria mais trabalhar. Não conhecia Chanel, Givenchy, essas marcas. E pensava: Quem é esse Givenchy que está querendo descolorir minha sobrancelha? Quero ir para casa ver meu filho. E chorava.
Depois, me mudei para Nova York e pensava que estava em um filme. Via os táxis amarelos, neve — coisa que nunca tinha visto na vida. Nem roupa de frio eu tinha. Fui para lá só com um casaco, que uma funcionária da agência de SP me emprestou e fazia 15 castings por dia sem saber inglês.
Voltava para o Piauí de três em três meses para ver o Alexandre e podia ficar, no máximo, uma semana.
Era uma angústia não ver os primeiros passos, as primeiras palavras, porque estava longe, lutando por um futuro melhor. O que mais me doeu foi ouvi-lo chamar minha mãe de mãe. Pensava: ele não sabe que eu sou a mãe dele. Foi muito difícil. Decidi batalhar para trazê-lo o mais rápido possível para debaixo da minha asa.
Depois de um ano em Nova York, comecei a trabalhar com a Victoria's Secret [ela é uma das "angels" da marca de lingerie], um cliente que mudou a minha vida, e com várias outras marcas até me estabilizar financeiramente para buscar meu meu filho.
"Foi o dia mais emocionate da vida quando busquei meu filho para morar comigo"
Quando me vi com clientes fixos e estabilidade financeira, levei Alexandre e minha mãe para morar comigo em Nova York, quando ele tinha cinco anos. Foi o momento mais emocionante da minha vida, igual ao dia em que ele nasceu.
Ele também nunca tinha visto neve. Comprei um casaquinho verde e um gorro com orelhinhas, só ficavam os olhinhos dele de fora, porque ele vinha do Piauí e ia passar muito frio. E as botas? Ele ficava todo estranho com elas. No Piauí a gente nem usa sapato direito, é só chinelo.
Alexandre chegou meio bichinho do mato e ficou maravilhado com o tamanho da cidade. Fizemos boneco de neve, e ele dizia 'mamãe, minha mão tá congelando'.
Esse era o meu sonho desde o primeiro dia. Eu tinha conquistado muita coisa, mas uma parte de mim estava faltando. Quando meu filho chegou a Nova York, a sensação foi de dever cumprido.
A adaptação dele em Nova York foi muito rápida: em três meses, ele estava fluente em inglês e já até me corrigia — aliás, ele me corrige até hoje. Mas eu também passei por uma adaptação. Eu morava sozinha, era completamente independente. Quando minha mãe chegou, ela falava 'você não vai sair' ou 'não vai fazer isso'. E eu dizia: calma, agora tenho a minha vida. Mas se não fosse por ela, não sei o que seria de mim e do Alexandre.
E a rotina com uma criança em casa é diferente: acorda cedo, separa lanche, leva para escola. Antes, a prioridade era eu. Depois que ele chegou, a prioridade passou a ser ele — e vai ser assim para sempre.
"Nós é que temos que nos adaptar ao mundo dos autistas, não eles"
O autismo do Alexandre é leve. Quando comecei realmente a conviver com ele em Nova York, notei que ele confundia muito o mundo real com a fantasia. Assistia aos desenhos e ficava trancado naquele universo, como se fosse de verdade, e comecei a achar estranho.
Eu, ignorante, não sabia o que era autismo. Fiquei assustada, claro, toda mãe ficaria. Foi um baque, porque até hoje as pessoas pensam que autistas são retardados. É muito preconceito.
Comecei a estudar, falar com outras mães de crianças autistas. Alexandre logo começou a fazer terapia, a ter acompanhamento médico, a ir a uma escola que entende a forma como ele aprende — coisas que, se eu ainda tivesse em Miguel Alves, não poderia fazer por ele.
Hoje sei que os autistas não têm que se adaptar ao nosso mundo, nós é que temos que nos adaptar ao mundo deles.
Alexandre é transparente como um cristal. Com ele, é tudo muito simples: é sim ou não. Às vezes, me pego pensando porque nós complicamos tanto as coisas. Tenho conversas com ele que valem uma terapia, porque ele me ensina muito, me faz pensar sobre a vida.Ele é maravilhoso, inteligente e fala pelos cotovelos.
Nenhum autista é igual, a gente aprende a lidar, a entender como ele vai se expressar e o que vai sentir em determinada situação. Hoje, ele sabe lidar melhor com as emoções e expressar o que sente.
Uma vez, eu, ele e Joakim [Noah, jogador de basquete, noivo de Lais] fizemos uma trilha de bicicleta. Na subida ele reclamou, mas na descida, com o vento no rosto, começou a chorar. E me disse: 'Mãe, é choro de felicidade'.
"Meu papel é acolher, ensinar e garantir que ele seja o quiser na vida"
Eu demorei muito para falar sobre o autismo dele de forma pública, porque trabalho é trabalho, e vida pessoal é outra coisa, não gosto de expor. Ao mesmo tempo, tem outras mães descobrindo agora e precisando de representatividade. Então, decidi falar sobre isso em 2018 com muito carinho, muito cuidado para não expor meu filho. Ainda estou aprendendo.
Hoje, entendo que as pessoas são ignorantes e não é culpa delas não saber lidar com uma criança autista. Mas eu sou uma leoa. Meu trabalho é arregaçar as mangas e fazer tudo por ele, garantir que ele seja o que ele quiser na vida.
Tem dias que ele não quer ficar muito perto de mim. É adolescente, tem quase 13 anos. Eu tento falar, e ele acha que sabe tudo. Estamos nessa fase. Fico apreensiva, pensando o que estou fazendo de errado, mas meu noivo Joakim me ajuda bastante. Fala que isso é normal nessa idade e que não posso levar para o pessoal.
Ser mãe é muito difícil, você quer proteger o tempo todo. Então estou trabalhando nisso, para deixá-lo o mais livre possível.
O futuro é ele que escolhe, eu só estou aqui para apoiar. Aprendi que ser mãe é ensinar a criança a tomar suas próprias decisões e que meu papel é acolher, guiar e educar. Alexandre vai ser o que ele quiser — hoje, ele quer ser um monte de coisas, e eu falo: calma, respira. Quero que ele seja feliz.