Morreu na noite esta segunda-feira a atriz Rogéria, aos 74 anos. Segundo o biógrafo e amigo Mario Paschoal, Rogéria faleceu por volta das 22h15, no Hospital da Unimed-Rio, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Após ser internada com infecção urinária, a atriz teve uma crise convulsiva e foi vítima de choque séptico.
Rogéria deu entrada na UTI no início de agosto para tratar um quadro de sepse urinária. Ela chegou a ter alta no dia 25 do mês passado, mas voltou para o hospital após apresentar piora.
De acordo com Mario Paschoal, a atriz estava aguardando melhora para poder realizar uma operação nos rins, mas seu quadro se agravou, provocando problemas cardíacos e uma infecção generalizada.
— Ela estava aguardando para fazer uma operação nos rins, mas o quadro se agravou. Ela chegou a ter problemas cardíacos. O empresário dela está cuidando de tudo. Engraçado que na primeira vez que ela foi internada, eu me preocupei muito. Dessa vez, estava mais tranquilo e aconteceu isso. Vai fazer muita falta — lamentou.
Foi na adolescência que Astolfo Barroso Pinto descobriu que gostava mesmo era de se vestir de mulher. Ainda na infância, já descia as escadas como se estivesse usando um vestido longo imaginário. Aos 14 anos, no carnaval, caracterizou-se pela primeira vez como mulher — maiô, saia e um chapéu. Não precisava de peruca nem maquiagem para se sentir feminina. Deixando Astolfo para trás, renasceu Rogéria — e, em pouco tempo, iria se tornar um ícone do mundo gay, a transformista mais emblemática do país.Livre do nome masculino, com o qual a haviam batizado em 1943, Rogéria brilhou.
Primeiro na Rádio Nacional, frequentando os programas de Emilinha Borba, sua maior referência artística. Em plena ditadura militar, aproveitando o surgimento das vedetes travestis, destacou-se como vedete nas boates de Copacabana e em apresentações consideradas lendárias no Teatro Rival. Em 1964, autou no primeiro espetáculo nacional de transexuais, “Les Girls”. Dirigido por João Roberto Kelly, trazia letras como: “Ser mulher é muito fácil para quem já é, mas pra quem nasce para ser João é um sacrifício a transformação”.
Depois de passar um período como maquiadora na TV Rio, que funcionou como uma escola de artes dramáticas pela convivência com atores e diretores, firmou-se nas artes dramáticas. No cinema, filmou com grandes cineastas: Eduardo Coutinho em “O homem que comprou o mundo” (1968), Julio Bressane em “O gigante da América” (1978), e José Joffily em “A maldição de Sampaku” (1991). Em 1979, venceu um Troféu Mambembe (um dos prêmios mais importantes para a produção cultural na época) pela atuação na peça “O desembestado”, contracenando ao lado de Grande Otelo.
Participando de programas de TV, Rogéria apresentou o universo do transformismo a um público mais amplo, tornando-se a “travesti da família brasileira”, título cunhado por ela próprio. Foi jurada em programas de auditório de grande audiência, como o “Cassino do Chacrinha”. Travesti na TV era uma novidade — e o pioneirismo foi bem aceito. Seu carisma e talento ajudaram a quebrar o preconceito, em uma época em que homens só podiam se vestir de mulher na rua durante o carnaval. Ainda assim, não foi presa nem precisou se exilar durante a ditadura.
Rogéria não quis fazer cirurgia para mudar o sexo e nunca injetou silicone para alterar o corpo. A artista, que dizia não se preocupar com discussões sobre representatividade LGBT, era conhecida por sair no braço com os colegas homofóbicos.
— Engajada? Eu preciso ser engajada? Eu sou o engajamento em pessoa! Se as outras travestis estão aí, agradeçam a mim, que sou uma bandeira, e os brasileiros gostam de mim — disse ela, em entrevista ao GLOBO no ano passado, quando lançava sua biografia “Rogéria — Uma mulher e mais um pouco”, escrita por Márcio Paschoal.
Além da biografia lançada em 2016, Rogéria fez parte do grupo de travestis e transexuais retratado no documentário “Divinas divas”, dirigido por Leandra Leal.