Foi como a espevitada Fátima, na novela Selva de Pedra, de Janete Clair, que Glória Pires estreou em telenovelas, em 1972. É com este papel que a própria atriz considera o começo de seu trabalho na TV. Mas antes, em 1971, a filha do ator Antônio Carlos Pires e Elza fora reprovada por Daniel Filho por não ter os atributos físicos que buscava para a personagem Zizi, filha do professor Luciano, na novela O Primeiro Amor, de Walther Negrão, e quem ganhou o papel foi a Rosana Garcia. Esse fato está registrado no livro 40 Anos de Glória, escrito por Eduardo Nassife e Fábio Fabrício Fabretti e publicado pela Geração Editorial. Numa linguagem simples, a obra deixa evidente o quanto a carreira de Glória Maria Claudia Pires, nome de registro da atriz, é tão importante para a teledramaturgia e o cinema brasileiro. Os autores permitem que a atriz conte sua história e relatam as opiniões de artistas que contracenaram com Glória, diretores e autores, como Daniel Filho, Reginaldo Faria, Joana Fomm, Rogéria, Cláudio Corrêa e Castro, Arlete Salles, Malu Mader, Betty Gofmann, Cissa Guimarães, José Wilker, Regina Duarte, Cássia Kiss, Dennis Carvalho, Euclydes Marinho, Maria Padilha, Gilberto Braga, Denise Saraceni, Stênio Garcia, Alessandra Negrini, Laura Cardoso, Mário Lúcio Vaz, Aguinaldo Silva, Carlos Manga, Louise Cardoso, Carlos Vereza, Chico Anysio, Tony Ramos, Antônio Padilha, Ary Fontoura, Fernanda Montenegro, dentre outros nomes. Nessa lista, os autores não deixaram escapar depoimentos de Cleo Pires, Linda Pires, Antonia Pires Moraes, Orlando Moraes. Num universo competitivo, Glória brilha pelo talento, profissionalismo e simplicidade. Ela, como diz o autor Aguinaldo Silva, tem capacidade de hipnotizar a câmara da TV e, segundo os autores, a sua presença em novelas e filmes de grande audiência é constante. “É uma mulher de muitas faces, que eleva o patamar da dramaturgia televisiva e cinematográfica brasileira”. O livro conta sua história desde a primeira novela, sua relação com a família que sempre foi muito estreita e destaca, acima de tudo, o compromisso com o trabalho. Na obra, Eduardo Nassife e Fábio Fabrício contam que durante as gravações de Mulheres de Areia, a mãe da atriz, dona Elza, adoeceu e veio a falecer. Ela deu assistência à mãe no hospital e no dia seguinte ao enterro estava firme no trabalho. Com muitas fotos de personagens históricos, como Maria de Fátima, Stella, Maria Moura, Ruth e Raquel, Nice, a própria atriz vai citando seus trabalhos e mostra que está sempre aberta a novos desafios e trabalhos e os próprios autores ao convidá-la criam as personagens pensando na atuação da atriz. “O processo de criação sempre me fascinou! O que mais me dá prazer é o momento em que você está buscando a personagem. É um prazer egoísta e pessoal. O fazer é muito doloroso. Porém, quando o trabalho chega ao público, eu me realizo em saber que um personagem pode levar alguma alegria num momento difícil a uma pessoa”. Ao mesmo tempo que mostra Glória rigorosa com o trabalho, o livro mostra uma atriz sem estrelismo, que grava a qualquer hora, repete cenas. Ela é humilde e diz que teve a chance de aprender errando, já que não estourou logo como protagonista. No aspecto familiar, ela tem se mostrado exemplo como uma mãe amiga, presente, protetora e engajada em projetos sociais. No livro, ela se apresenta simples, batalhadora, verdadeira e muito família. Frases de Glória “A televisão sempre me soou um clima familiar. Muitas vezes, tenho que buscar um distanciamento para entender que estou numa grande empresa, e não na minha casa”. “Desde cedo, aprendi que tudo tem um lado difícil, até na melhor parte da vida. Na vida não existe só o prazer e a realização. Tive infância e adolescência, mas sempre cabeça de adultinha” “Não sei qual é a fórmula do sucesso e nem como ele acontece. Se é sorte ou dedicação – e acredito ser uma junção de ambos – não sei. Sucesso é uma coisa bem misteriosa para mim”. “Eu diria que não sou uma pessoa que sonhe muito. O mais correto seria afirmar que gosto de batalhar, de lutar mesmo para atingir meus objetivos. Mas cada pessoa sabe de sua necessidade e como buscar a maneira certa de sua realização, seja ela pessoal ou profissional”. REGINA DUARTE “Tenho horror de me assistir, há cenas que me deixam curiosa para saber como ficaram, mas não tem nada pior para mim do que o primeiro e o último capítulo de uma novela, em que todo o elenco permanece reunido, assistindo. Pré-estreia de filme também é um pesadelo”. “O ruim de fazer cinema aqui é a falta de incentivo às produções. O bom é que fazemos mesmo assim e nosso cinema é invejável”. DEPOIMENTOS “Ela tem uns recursos espontâneos, naturais, que eu admiro demais numa atriz. Era difícil contracenar com ela. Levava aquela frieza da Maria de Fátima às últimas consequências, com muita propriedade e talento. Mexia comigo. Respeito imensamente a Glória por ela ter esse dom de saber gerenciar a vida. E admiro seu equilíbrio, seu jeito tranquilo e a forma com que se relaciona com as pessoas”. REGINA DUARTE “Vi a Glorinha em Dancin Days com aquele lindo cabelo, longo e pesado, e um rosto forte e delicado. Encontramo-nos depois em Vale Tudo, e aí veio a confirmação, apesar de tão jovem, da grande e experiente atriz, econômica de gestos, voz segura e dona absoluta da personagem”. CÁSSIA KISS “Quando Glória trabalhou comigo em Chico City, eu observava, abismado, aquela garotinha tão jovem e tão profissional, preocupada e muito determinada. Esses adjetivos são provenientes dos pais dela. O Antônio Carlos era um grande amigo, excelente ator e um dos melhores profissionais com quem trabalhei. E dona Elza era uma pessoa boníssima e íntegra”. CHICO ANYSIO “Minha mãe é uma grande inspiração para mim. Eu a considero a mulher mais linda do mundo”. CLÉO PIRES “Tenho grande admiração por Glória. Fui muito amiga do pai dela. Trabalhamos juntos em rádios e tevês. Ele só podia fazer uma filha como Glória Pires. Ela é uma atriz inteira, quente, aglutinadora. Ela sempre se põe no jogo da comunicação humana e se entrega de uma forma simples e delicada. Mas muito forte. Merece todo o sucesso que tem. E todo o nosso carinho. E todo o nosso reconhecimento”. FERNANDA MONTENEGRO “Nunca me esqueço que, depois do estrondoso sucesso de Vale Tudo, escrevia O Dono do Mundo, quando fiz uma sequência em que Roldolfo, feito por Kadu Moliterno, daria um tapa em Stella, na pele de Glória. Ao finalizar a cena, liguei para o Sérgio Marques, um dos meus colaboradores. Li a cena para ele, pelo telefone mesmo. Sérgio não gostou. Achou a cena piegas, principalmente no momento em que a Stella diria: ‘Dedico este prêmio ao amor da minha vida, à razão do meu viver’. Então, disse a ele que quem faria seria a Glória. E ela faz qualquer texto. Ele acabou concordando e entendeu que eu não me referia a qualquer atriz, e sim a uma excepcional, com uma interpretação majestosa. Falava de uma das minhas atrizes preferidas: Glória Pires”. GILBERTO BRAGA