No último domingo, a colombiana Paulina Vega derrotou 87 candidatas e foi coroada Miss Universo 2014. Mas a participante de um outro concurso, aqui mesmo no Brasil, é quem tem chamado atenção nas redes sociais. Com apenas 14 anos, Vanessa Vöss Braga conquistou não só as três mil pessoas que assistiram aos desfiles do “Garota Verão”, em Canguçu, no Rio Grande do Sul, mas virou um exemplo de empoderamento feminino.
Com 1,61 metro e 70kg, Vanessa não segue os padrões de beleza normalmente exigidos neste tipo de concurso. Com longos cabelos castanhos e olhos azuis, a jovem sempre sonhou em desfilar, mas tinha vergonha do corpo. No último dia 18 de janeiro, no entanto, ela entrou na passarela montada no parque aquático Tche Park de biquíni floral e rabo de cavalo e arrebatou o público. O que se viu em seguida foi a reação instantânea de apoio à coragem e à autoestima da moça: ela foi ovacionada pelos presentes e sua foto, publicada na página da Prefeitura de Canguçu, teve 11 mil curtidas. Ela não venceu, mas para se ter uma ideia do sucesso de Vanessa, a foto da jovem eleita “Garota Verão” da cidade teve apenas dez curtidas.
Apoio dos pais
Ao ouvir sobre o concurso na rádio, a mãe da menina, Cristina Braga, decidiu incentivá-la a desafiar os preconceituosos e mostrar que todas as mulheres podem — e devem — sentir-se lindas, independente de padrões.
“Ela sempre quis participar. No início, ficou com receio, mas eu expliquei que a gente não pode ter vergonha do nosso corpo. Ela é gordinha, mas é linda”, contou Cristina em entrevista ao jornal Zero Hora.
Moradora da região de Cerro da Boneca, zona rural de Canguçu, Vanessa vive com os pais em uma casa humilde, onde não há acesso a internet ou mesmo telefone. Ela sonha em ser cantora e contou ao jornal gaúcho o que sentiu ao desfilar para três mil pessoas no concurso.
“Cheguei lá e estava tão nervosa. As outras candidatas todas bonitas de corpo e eu gordinha. Fiquei com um pouco de vergonha. Mas quando eu entrei para desfilar todo mundo gritou meu nome e me apoiou. Daí eu relaxei, a vergonha passou. Não imaginei que iam me notar ou falar de mim. Vi que estava errada. Fui lá e arrasei”, disse ela ao jornal.
Agora, até o prefeito da cidade quer conhecer Vanessa. Segundo a assessoria de imprensa da Prefeitura, o secretário de Cultura do município, que promoveu o concurso, também deve participar do encontro com a adolescente, marcado para a próxima terça-feira. Em nota publicada no Facebook, o órgão comentou a repercussão do caso e destacou o respeito à diversidade e “o questionamento aos padrões estéticos tradicionais”.
“Devido à repercussão desta postagem e aos questionamentos que recebemos optamos por esclarecer alguns pontos. A candidata Vanessa Braga participou de um desfile realizado em Canguçu (RS) no dia 18 de janeiro. Vanessa não foi a vencedora oficial, mas seu exemplo serviu de inspiração para milhares de pessoas que curtiram, enviaram mensagens de apoio à candidata e se sentiram, de alguma forma, representadas. Apoiamos a diversidade de pensamento, o questionamento aos padrões estéticos tradicionais e a ruptura de conceitos machistas e conservadores. Da mesma forma, repudiamos toda e qualquer manifestação de ódio ou preconceito externada nesta publicação. Canguçu, um município para todos e todas”.
Mulheres contestam concursos de beleza
O sucesso que a participação de Vanessa obteve nas redes sociais também abriu espaço para o questionamento deste tipo de concurso. Além da imposição de um padrão de beleza, a própria ideia de uma competição para escolher uma “musa”, com adolescentes desfilando de biquíni, foi contestado pelos admiradores da história da adolescente.
Na foto compartilhada pela Prefeitura de Canguçu, alguns comentários chamam atenção para este tipo de competição, classificada como machista. “Apesar de um concurso de beleza ser, em sua essência, machista e opressor, devo reconhecer que foi plausível o posicionamento da prefeitura”, escreveu uma jovem.
Para a escritora e pesquisadora do Instituto de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Daniela Lima, que também atua como coordenadora do Coletivo Feminista Jandira, a história de autoestima e superação de Vanessa serve de exemplo a outras jovens, mas a hiperssexualização das participantes e o julgamento do corpo da mulher em espaço público devem ser repensados.
— Ainda hoje, nós acabamos achando que se empoderar é ser reconhecida num espaço que serve ao desejo do homem. Num primeiro momento, acho muito importante que as mulheres reais se vejam representadas por uma mulher real, já que isso é empoderador. Mas não podemos separar essa representação de seu contexto: um concurso de beleza. Então, existe uma subversão muito importante para todas nós do padrão de beleza. Mas essa subversão ainda é feita através de uma estrutura de dominação. Talvez seja o momento de questionar a própria estrutura, que permite a objetificação da mulher e o julgamento do seu corpo em espaço público. Vanessa deu um passo muito importante, agora precisamos continuar caminhando — acredita Daniela, que confessou ter chorado de emoção ao ver o vídeo com a entrevista de Vanessa.
A opinião é divida com a professora de literatura em língua inglesa na Universidade Federal do Ceará e autora de um dos maiores blogs feministas brasileiros, o "Escreva Lola Escreva", Lola Aronovich, de 47 anos.
- Vanessa é linda e foi corajosa em participar de um concurso que só reforça um único padrão de beleza. Mas não creio que deveria haver concursos de beleza para menores de idade. O problema nem é o concurso de beleza em si, e, sim, com a sociedade, que julga as mulheres somente pelo lado estético o tempo todo. Assim como julgam Vanessa, de apenas 14 anos, julgam Dilma, uma senhora de 67 anos que não foi eleita para ser miss, e sim para governar um país. Então fica a lição de que, se você é mulher, não há data de validade para que seu corpo pare de ser avaliado. Começa quando você nasce e acaba só quando você morre. A mensagem de Vanessa parece ser "levante a cabeça e seja feliz, independente da sua forma física", e eu concordo totalmente com essa mensagem. O chato é que seja preciso uma adolescente desfilar de biquíni num concurso de beleza para passar essa mensagem. Se fosse óbvia para todo mundo, talvez concursos de beleza nem existissem.