Primeiro Deives, depois Gustavo. Dois dos quatro filhos de Elaine Marques Gonçalves, 61 anos, que estavam na boate Kiss na madrugada do dia 27 de janeiro, morreram em razão do incêndio que atingiu o local. Uma semana após a tragédia, a mãe recebeu o site de notícias em sua casa, no bairro Perpétuo Socorro, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, para mostrar como tenta retomar a vida. Ela busca apoio na fé, na família e no carinho de pessoas desconhecidas que oferecem ajuda em meio ao sofrimento causado por sentimentos que se misturam: saudade e revolta.
"Essa força é de Deus", explicou Elaine ao ser questionada sobre suas reações desde o dia do primeiro velório. Foi ela quem confortou amigos e familiares que não conseguiam conter as lágrimas. A força da mãe contagia a todos que a cercam. "Me doía ver aquele sofrimento, eles estavam chorando junto comigo, pelos meus filhos. Foi disso que tirei forças", completou.
Na casa humilde, mas aconchegante, Elaine guarda os pertences dos filhos que ainda moravam com ela. Deives Marques Gonçalves, de 33 anos, foi velado no domingo, dia da tragédia. O irmão, Gustavo Marques Gonçalves, de 25 anos, morreu dois dias depois. Ele havia sido transferido para Porto Alegre, mas não resistiu. Fotos dos dois estão dispostas pela residência. Nos quartos, roupas de cama, roupas do dia a dia e objetos variados continuam nos lugares em que estavam. Algumas coisas, segundo a família, serão doadas a abrigos da cidade.
Sentada no sofá com a neta Julia, que completa seis anos em abril, Elaine tomava chimarrão e lembrava de Deives, seu "companheiro de mate" diariamente. Julia é filha de seu filho mais velho, Jean, de 36 anos, com a mulher Simone. Eles estão na casa de Elaine para fazer companhia nestes dias difíceis. Na mesma casa mora a outra filha, Daniele, de 31 anos.
Durante a conversa, Elaine lembrava de histórias que viveu com Deives e Gustavo. O mais velho, "mais dependente", segundo ela, passou por dificuldades em 2007. Teve diagnosticada uma trombose, que curou após cinco dias de internação no hospital. Para pagar o tratamento, a mãe recebeu ajuda de uma família de amigos para quem já havia trabalhado. Com R$ 250, ela pagou exames e terminou o tratamento do filho.
Ela contou que sempre viveu para os quatro filhos. "Sempre fiz de tudo para eles, sempre quis o melhor e que eles tivessem estudo", disse. Antes do incêndio na Kiss, Gustavo trabalhava como vendedor em uma loja no Royal Shopping, em Santa Maria. Deives estava desempregado e tinha planos de voltar a estudar. Ele chegou a cursar Administração no Centro Universitário Franciscano (Unifra), também no município, mas não conseguiu conciliar devido ao horário do trabalho na época. A família não tinha condições de pagar a universidade particular.
A irmã Daniele, que está desempregada, agradece as mensagens de carinho enviadas pela internet e pelo telefone. Os perfis dos familiares no Facebook recebem recados de conhecidos e desconhecidos diariamente. "Eu vou aceitando quem pede para ser meu amigo, porque acho importante. No momento a gente precisa desse carinho", ressaltou.
O telefone da casa da família toca sem parar. Familiares e amigos entram em contato, mas pessoas que eles não conhecem também ligam. No portão da residência também surgem pessoas que querem levar algumas palavras de conforto e até doações. "Nós aceitamos. Não vou mentir, a gente precisa", disse.
Daniele espera, no entanto, que a família continue recebendo mensagens de apoio e que as amizades sejam fortalecidas. "Desejo que isso não acabe aqui, que não seja apenas agora", comentou.
Durante a entrevista, três psicólogas bateram na porta da casa de Elaine para prestar apoio. Elas integram o grupo "Psicologia pela Humanidade", com profissionais de São Paulo e do Rio de Janeiro, e estão em Santa Maria para ajudar a amenizar o sofrimento de quem perdeu parentes ou amigos, e também sobreviventes.
Ao entrarem no quarto de Gustavo com Eliane, a mãe não segurou o choro. As psicólogas a confortaram com palavras e abraços. Tentando conter as lágrimas, ela contou o quanto está sendo difícil suportar a ausência dos dois. "É horrível acordar e dar de frente com a realidade", resumiu.