Carol Marra precisou de 22 anos para se descobrir e assumir - sobretudo para seus pais - que é transexual. Hoje, aos 24, ela não precisa mais fazer do porta-malas de seu carro um camarim para sair vestida de mulher às escondidas, mas ainda trava uma batalha contra o espelho. "Me olho e me sinto com a roupa do avesso. Não gosto nem de tirar a calcinha, não me sinto a vontade", confessa a modelo, que ainda não fez a cirurgia de mudança de sexo por falta de tempo.
Um dos destaques da Fashion Rio Verão 2013 - semana de moda carioca que termina neste sábado, 26 - Carol Marra recebeu nossa reportagem para um bate papo exclusivo, durante o qual se emocionou ao relembrar as dificuldades da infância e a luta pela superação de preconceitos.
Chamada de "mulherzinha" e de "bichinha" no colégio, Carol conta que não ia ao banheiro na hora do recreio porque temia ser agredida pelos meninos de sua turma. "Voltava do intervalo e pedia à professora para ir ao banheiro, mas ela não deixava. Muitas vezes fazia xixi na calça. Era "bullying" total", relembra.
Se no colégio a sensação era de solidão, em casa a modelo contava com uma "companhia" especial: a de Xuxa. "Meu mundo era meu quarto. Me trancava, ligava a TV e descia da nave com ela. A Xuxa dizia muito para a gente acreditar nos nossos sonhos, aquela história toda... Você não tem ideia do quanto ela foi importante para mim. Ela era minha amiga ali, no meu mundo", conta a modelo, sem conter as lágrimas.
"Na adolescência foi ainda mais complicado, porque eu conhecia outros garotos, que eram gays, mas não sentia atração por eles. Nunca fiquei nem com mulher. Se me virem grudada com alguma, separa que é briga (risos). Eu sentia atração pelos namorados das minhas amigas e aquilo era muito louco", relembra.
Confira a entrevista completa de Carol Marra:
Você era jornalista, antes de se tornar modelo. Como surgiu o convite para fazer esse tipo de trabalho?
Carol Marra: Percebi que não queria falar de buraco de rua e de declaração de imposto de renda. Sempre quis trabalhar com moda e surgiu a oportunidade de fazer produção de moda. Os fotógrafos com que eu trabalhava me diziam que eu era bonita, que eu tinha um ângulo bonito. Um dia cedi ao convite de um deles e aí apareceram outros querendo me fotografar também. Mas eu brincava de ser modelo, não era profissional. Nunca planejei isso.
Como você, que estava acostumada a viver atrás dos holofotes, está lidando com essa superexposição?
Amo salto alto, mas tenho meus pés no chão. Não me deslumbro com a fama. Mas minha vida está sendo muito invadida. Qualquer relacionamento que eu tenha se transforma num circo. Foram revirar meu passado e viram que eu namorei com um jogador de futebol que hoje está na Seleção Brasileira. Mas não tem como apagar meu passado e nem tenho tenho uma história feia para esconder, muito pelo contrário. Nunca me prostitui, apesar de não condenar quem faz isso. Às vezes, as famílias não aceitam e muitas transexuais vão para a rua como uma forma de sobrevivência. Você daria trabalho para uma faxineira "transex"? Não daria. O que a mídia divulga é que a transexual é a marginal da esquina, que se prostitui, e não são todas que são assim. Tive sorte de ter uma família boa, que me deu tudo.
Você conta para os caras que conhece na noite que você é transexual antes de dar o primeiro beijo?
Acho que não tenho que me apresentar mostrando meu RG. Conheci uma pessoa recentemente, mas não contei. Ele ficou completamente apaixonado, falou que eu era a mulher da vida dele e praticamente moramos juntos em São Paulo durante três semanas. Eu dava pistas, dizia que tinha saído em determinada revista, mas ele não lia. Ele me respeitava muito, queria uma namorada para casar. Claro que a gente sentia desejo, mas não rolava sexo porque eu queria contar pra ele antes. As pessoas devem achar isso uma loucura, mas é muito difícil. Só quem vive é que sabe.
E como ele descobriu?
Um amigo viu uma matéria e mostrou para ele. Muito educadamente, o cara me disse que estava trabalhando muito e que tinha uma outra pessoa. Mas eu sei que é mentira. Infelizmente ele ouviu a opinião dos amigos, e não o coração. Fiquei com um sentimento de rejeição. Eu disse "você me ama ou ama o que tem entre as minhas pernas?".
Mas já aconteceu de você contar antes de rolar alguma coisa?
Outro dia conheci um cara na balada, que era um desses Mister da vida. Ele me reconheceu, disse que eu era mais bonita pessoalmente e que era livre de qualquer preconceito. Pegou na minha mão, me levou para o camarote e ficou comigo na frente dos amigos. Mas eu sabia que não era um cara para namorar, que era só para uma noite.
Como foi o momento em que você decidiu contar para os seus pais que era transexual?
Eu me perguntava até quando eu iria viver uma mentira para tentar satisfazer meus pais. Mas sabia que eu me assumir "trans" para eles seria uma agressão. Por outro lado, eles já são de idade, eu ia deixar de viver a minha felicidade para viver a felicidade dos meus pais? Isso é injusto. Há dois anos fomos ao psicólogo e contei. Foram 22 anos de sofrimento. Tirei um peso das minhas costas. Para os meus pais foi um choque, porque eles achavam até que eu seria gay, mas nunca transexual.
E hoje eles já aceitam melhor sua decisão?
Na época, minha mãe disse que não queria me ver vestida de mulher, mas hoje em dia até me vê desfilar. Sei que meu pai sofre calado, que é muito doloroso para ele. Pai e mãe não querem que os filhos sofram preconceito. Mas hoje eles viram que se eu estou numa esquina, não é para me prostituir, mas para posar para uma revista, um jornal... Todo mundo esperava que meu final fosse uma esquina qualquer da vida. E eu provei que não foi.
Por que você ainda não fez a cirurgia de mudança de sexo?
O trabalho está muito intenso e eu não posso recusar as oportunidades que estão aparecendo para fazer a cirurgia. O pós-operatório é muito doloroso, mas falta isso para eu me sentir plena. Não quero fazer pelos outros. Meu psicólogo me diz que não é uma vagina que faz uma mulher. Até porque um homem tem que gostar de mim pelo que eu sou, e não pelo que eu tenho entre as pernas.
Quando as pessoas te olham desfilando de biquíni, é natural que elas imaginem como você consegue "esconder" o pênis. Como você aprendeu a fazer isso?
Temos uns truques. Aprendi conversando com uma, com outra. É supersimples, muito fácil. Além disso, de tanto tomar hormônio, você vai ficando com um corpo feminino também. A genitália atrofia muito, diminui. Até para fazer a cirurgia fica mais fácil.
Já te disseram que você é muito parecida com a Lea T? Vocês se conhecem?
Todo mundo diz isso. Eu a conheci no Rio há um ano, fomos juntas para uma balada. Ela é superdivertida, um amor, mas nunca mais tivemos contato. Adoraria poder encontrá-lá de novo. É uma pena que a imprensa tenha até criado uma rivalidade entre a gente. Acho que todo mundo tem direito a oportunidade. Parece que tudo que ela faz eu quero copiar, e não é assim. Eu quero sair da sombra da Lea. Cada modelo tem sem foco, sua carreira.
Você se acha uma mulher bonita?
Tem dias que eu me acho a mulher mais feia do mundo e tem dias que saio de casa me sentindo poderosa. Eu posso estar ali na esquina que todos olham para mim.
De onde surgiu o nome "Carol Marra"?
Marra é meu sobrenome de batismo e Carol foi um amigo maquiador que me batizou. A Carol não surgiu, ela sempre esteve em um lugar guardadinha dentro de mim.
Você está solteira? Sonha em se casar?
Estou solteira, mas sonho casar na igreja, acordar de manhã e levar o café da manhã na cama para o meu maridinho, deixar os filhos na escola. Se pudesse trocar essa vida de glamour, de passarela, que eu amo, por um grande amor, eu juro que não pensaria duas vezes. A gente tem carência de um colo para dar carinho. É tanta pedra que atiram... É inevitável que se uma pessoa de trata com respeito, com carinho, você se apegue.
O que você pretende fazer quando seu prazo como modelo expirar?
A carreira de modelo é curta e eu não tenho mais 17 anos. Estou aproveitando as oportunidades. Mas sou atriz e estou fazendo curso de TV e cinema, para estar preparada para convites para cinema e novela. Quero que as pessoas me dêem oportunidade, que me chamem para testes. Vou mostrar meu potencial.