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"Podia ter me perdido quando era jovem", revela Thiago Lacerda

Nos bastidores de “Hamlet”, ator fala sobre a escolha pela vida simples, a rotina familiar e a preparação para o personagem clássico de Shakespeare

É no palco do teatro Tom Jobim, no Jardim Botânico (Zona Sul do Rio), onde encena a peça "Hamlet" até o dia 14 de abril, que Thiago Lacerda se sente à vontade para fazer um balanço sobre sua carreira de 16 anos como ator. Em um papo tranquilo antes da abertura das cortinas, Thiago fala sobre família, filhos, maturidade e orgulho do caminho que trilhou entre o Lula da novela "Malhação", em 1997, e o príncipe dinamarquês criado por William Shakespeare há mais de quatro séculos - apontado como um dos personagens mais difíceis e controversos da dramaturgia.

Fazendo as escolhas certas

"Sempre fui esse capricorniano tranquilo, meio chato, mas responsável com meu trabalho. Me orgulho demais das coisas aconteceram para mim e do caminho que trilhei. Hoje posso me dar ao direito de escolher o que faço, as narrativas que compro. Eu consigo me projetar lá na frente: quero continuar fazendo de tudo mas, sobretudo, gostando do que faço. Só tenho vontade de fazer mais cinema. Mas cada um tem sua história, e a minha foi essa, não sei extamente o porquê... ", resume o carioca de 35 anos.

A mulher e também atriz Vanessa Lóes teve grande responsabilidade na construção desse rumo. "O meio artístico nos seduz e deslumbra muito. Conheci a Vanessa quando estava tudo acontecendo para mim, tenho certeza que ela me ajudou a manter a cabeça no lugar certo e a fazer boas escolhas. Sou, até hoje, um cara boêmio, gosto de gente... Podia ter me perdido quando era jovem e vi esse mundo se abrindo para mim", confessa Thiago, casado há 12 anos, e pai de Cora, com quase 3, e de Gael, com 6.

Um cara família

Entre uma pergunta e um gole no chá de hortelã, Thiago só interrompe a entrevista para atender a mulher e resolver problemas cotidianos da casa que eles mantêm na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. "Oi Nêssa... sim, minha flor", repete, paciente.


Podia ter me perdido quando era jovem

"Sou família mesmo, gosto de cuidar das coisas, de acompanhar meus filhos. As pessoas me perguntam o que eu faço no meu dia a dia e eu respondo "o mesmo que você, ué". Por acaso acham que saio com meu iate a alcanço uma ilha cheia de mulheres? Não, eu acordo, escovo os dentes, levo meu filho na escola, ajudo minha mulher a resolver as coisas de casa, trabalho e durmo", diverte-se.

Incoporando Hamlet

A excentricidade de sua vida, garante, fica só por conta dos personagens: "Fazer Hamlet, por exemplo, é de uma responsabilidade sem tamanho. Para ser esse cara confuso que quer vingar a morte do pai, me dei ao direito de beber de muitas fontes e ao mesmo tempo não usar nenhuma delas. Revi algumas versões do clássico no cinema, como a russa, de 1964; e a do Laurence Olivier, em 1948. Assisti à peça do Jude Law, em Londres, a do Wagner Moura, em 2008, mas não faço uma mistura disso na minha atuação. Eu precisava fazer o meu Hamlet, vivenciá-lo do meu jeito. Não seria justo comigo se não fosse assim". Para mergulhar nessa experiência, Thiago criou rituais como o de cortar o cabelo antes de cada apresentação. "Eu repico as laterais, assim, meio sem jeito, e isso me ajuda na concentração", explica.

Sobre o fato de saber que muita gente vai ao teatro não por interesse na peça, mas para ver um ator famoso de perto, ele diz que não se incomoda: "Isso não me ofende. O importante é as pessoas irem ao teatro. Lá, minha missão de proporcionar uma grande noite a eles só dobra. Por isso me dedico, mergulho no projeto. Nessa peça, o Ronaldo (Daniels, diretor e adaptador) teve a preocupação de não mudar o texto, de não alterar a tradução, mas achamos que não havia necessidade de usar aquela linguagem de séculos atrás. Isso facilita o entendimento da plateia e funcionou muito na nossa temporada em São Paulo. Saí de lá muito feliz com o retorno do público".

Papai Thiago

No espelho do camarim da peça, desenhos da pequena Cora. "Ela é arretada, ariana! Faz o que quer, cheia de vontade, meu Deus! Já o Gael é de câncer e, olha, vai sofrer muito na vida (risos). Ele é tranquilo demais, deixa fazer o que quiserem com ele. Meu filho é um elfo! Outro dia ele me pediu para levar para ele a caveira do Hamlet. Eu expliquei que ia usá-la na apresentação e arranjei outra para ele brincar. Ele ficou maluco! Depois me pediu para terminar a história sem guerra: "Pai, guerra não. Guerra é ruim"".

Apesar dessa relação estreita com os filhos, Thiago assegura que não vem planejando aumentar a família: "Não pensamos nisso. Não sei. Mas estou feliz agora. Tenho com meu filhos uma relação de intimidade que não tive com meu pai, pela geração da qual ele fazia parte. Eu curto isso de ser pai, de viver a vida das crianças, dar banho, alimentar, dar exemplo".

Fama e exposição

Depois da temporada carioca de "Hamlet", Thiago fará uma participação especial na série "A Grande Família". O episódio, que sequer foi gravado, já deu o que falar: "Vou ser um ator... E vou fazer uma cena com o Lúcio Mauro Filho na qual pode rolar um beijo gay. Mas isso não faz a menor diferença pra mim, o que importa é que vou estar com aqueles atores maravilhosos, queridos. O beijo é um detalhe, mas a mídia se prende a isso para especular".

Na reta final da entrevista, o ator - que foi consagrado fazendo o Brasil falar italiano por conta do inesquecível Matteo, da novela "Terra Nostra" -, fala sobre sua relação com a imprensa.

Ele aproveita o episódio de vazamento de fotos íntimas do colega Murilo Rosa na web para opinar sobre essa relação delicada entre fama e exposição: "Há jonalistas e há fofoqueiros, há pararazzi e há fotógrafos, há profissionais e há idiotas. Quem tem obrigação de diferenciar isso é a própria imprensa, o jovem que está aí, fazendo seu trabalho de um jeito bacana e não quer ser confundido com o que é lixo. Divulgar imagens íntimas de uma pessoa pública é um crime. As pessoas têm que perceber esse abismo entre o que é informação e o que não é".

O papo e o chá de hortelã terminam. Ao se levantar, o moço de quase dois metros de altura acrescenta uma informação curiosa: "Morro de medo de ventilador de teto".