Já pronta para as fotos, maquiada e com um look de carnaval, Raissa Machado se transforma, mostrando intimidade com a câmera. Imponência adquirida em anos de Avenida: foi sua sétima vez à frente dos ritmistas da Viradouro, escola campeã, que voltou à Marquês de Sapucaí na madrugada do domingo (01). A julgar pela facilidade e confiança em fazer caras e bocas, fica até difícil pensar que, ao longo da vida, ela demorou a deixar a insegurança de lado e acreditar que seria uma rainha de bateria vitoriosa. Aos 36 anos, isso é fato mais do que superado, graças, conforme a própria, ao incentivo da mãe que “acreditava mais” na filha do que ela.
“Era bastante insegura. Só depois de muito tempo é que eu comecei a olhar no espelho e dizer: ‘Eu posso’. Tinha que valer a pena por tudo o que minha mãe fez por mim. Hoje eu cheguei lá, sou uma rainha campeã. Uma felicidade imensa”, afirma.
A trajetória da rainha teve seus percalços. Nascida no Maranhão, mudou-se para Niterói com a mãe e os dois irmãos quando tinha apenas 4 anos, após a separação de seus pais. Enfrentaram dificuldades: a mãe, Rosimar de Jesus Machado, hoje com 70, trabalhou como porteira para sustentar os filhos.
“Lutou demais. Foi porteira para a gente ter onde morar e trabalhava muito. Uma tia nos ajudou pagando os estudos e até a alimentação, enquanto minha mãe buscava emprego no Rio”, conta Raissa.A relação com o pai melhorou recentemente: “Até há alguns meses sequer conseguia chamá-lo de pai”. Raissa conta que guardava rancor, fruto do abandono e pelo fato de ele nunca tê-los procurado, após terem deixado o Maranhão: “Perdoei tem uns dois anos. Ele nunca foi presente. Mas cada um com seus problemas. Antes eu julgava, prefiro não fazer mais isso. Meu coração está mais leve”.
As dificuldades, no entanto, não a impediram de trilhar sua história no carnaval. Ainda pequena, começou a participar de uma escola na Zona Oeste do Rio, a Princesinha do Recreio. Muitas vezes, ela ia com a mãe “apenas com o dinheiro da passagem”. Foi quando já participava ativamente do carnaval de Niterói que conheceu o marido, Paulo Bagueira, vereador e presidente licenciado da Câmara do município.
Dois meses depois eles estavam num relacionamento sério, que já dura 12 anos. “Coisa de carnaval”, brinca ela. A diferença de idade — ele tem 22 a mais — causou uma estranheza. Raissa Machado lembra o preconceito pelo fato de ser uma mulher do carnaval casada com um homem mais velho: “Sou uma mulher mais forte. Ele tem um orgulho danado de mim”, derrete-se ela, mãe da pequena Nicole, de 5 anos: “Sou do povo, do samba. E as pessoas têm que me respeitar. Meu marido me acompanha em tudo. Nos ensaios, principalmente. Sempre está presente”.
A história de Raissa com a Viradouro já dura 14 anos. Tentou ocupar o posto em outras ocasiões, mas não era o momento. Em sua estreia, ainda em 2014, a escola foi campeã do grupo A. Título que se repetiu em 2018, quando a Vermelho e Branco voltou à série de elite carioca. No Grupo Especial, a consagração em 2020. “A Viradouro é minha segunda casa. É uma ligação mesmo de família. Me chamam para conversar ou para puxar minha orelha... É de intimidade mesmo”, diz a rainha campeã, que tem Luma de Oliveira, a quem ela chama de “grandiosa”, como maior inspiração.
“Me inspiro na elegância e na postura dela. Ela me deu dicas valiosas, do entrosamento com o mestre de bateria à segurança em pisar na Sapucaí. Disse que eu era poderosa e que devia acreditar nisso”, relembra Raissa, sem esconder o sorriso no rosto. “Neste carnaval ela falou: ‘não sei o que você tinha, mas estava mais especial, tinha algo além”. Luma tinha toda razão.