?Quando ouvi a Valesca Popozuda cantar ?My Pussy é o poder? pela primeira vez, pensei: uau! isso é mais profundo que Simone de Beauvoir?. A interpretação é da pedagoga Jaqueline Conceição da Silva, de 28 anos. Com mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), ela foi convidada pela prestigiada Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, para apresentar seu trabalho sobre o funk e a juventude brasileira, ?Só Mina Cruel - Algumas Reflexões Sobre Gênero e Cultura Afirmativa no Universo Juvenil do Funk?, em um congresso que acontece em setembro deste ano.
Moradora de Jardim Celeste, no bairro Campo Limpo, em São Paulo, Jaqueline comemorou a oportunidade de levar a cultura da periferia para outro país. Mas por não ter vínculo atual com nenhum programa de pós-graduação, a concretização do sonho da educadora tinha esbarrado na questão financeira. Até agora. Depois de saber da vaquinha online organizada por Jaqueline para levantar o dinheiro, Valesca contou que quer ajudar.
- Quero arcar com metade do valor, se ela concordar. Fico muito feliz com o carinho dela e vou torcer pra ela conseguir. O trabalho deve ter ficado magnífico, pois o funk é bem amplo. Já peço uma cópia, pois depois eu quero ver e ler ele todinho.
Valesca ainda mostrou-se orgulhosa em ver o gênero ser representado nos Estados Unidos e mandou um recado para Jaqueline.
- Boa sorte na apresentação e representa lá o Brasil e o Funk que daqui estaremos torcendo orgulhosos pela força e coragem dela.
Ao saber da ajuda inesperada, Jaqueline ficou ainda mais animada. Fã da cantora, ela já tinha recebido um conselho para pedir ajuda a Valesca, mas tinha optado pelo financiamento. Agora, ela torce para conhecer a musa do hit ?Beijinho no Ombro? pessoalmente e falar sobre o artigo.
- Espero conhecê-la, porque sou muito fã! Não sei o que me deixou mais bege, se foi o fato de ela contribuir ou de poder conhecê-la. Não sei o que me impactou mais. ?Tô? passada - brincou Jaqueline, que credita a história de Valesca como uma inspiração para outras mulheres.
- Acho que a trajetória dela, pensando num país como o Brasil, é uma trajetória que me inspira. São mulheres que vão buscando seu espaço em cima daquilo que acreditam. Estou muito feliz, apesar de não ser um trabalho em que defendo o funk enquanto música, de poder pegar um trabalho que elas construíram e poder discutir em cima dele, para podermos nos emancipar.
Libertação feminina
O artigo de Jaqueline não pretende analisar o funk como gênero musical, mas como produto cultural gerado pela juventude da periferia. Em sala de aula, seus alunos analisam as letras das músicas e debatem sobre a realidade retratada nas canções, sob a ótica dos autores de Teoria Crítica, Theodor W. Adorno e Hernert Marcuse. Para a pedagoga, que concluiu o mestrado no curso ?Educação: História, Política, Sociedade?, apesar das críticas, é preciso avançar e entender como o fenômeno do funk está impactando a juventude, especialmente a das favelas.
- A ideia do trabalho é pensar sobre a sociedade em que vivemos. Neste contexto, o gênero femino é uma oposição ao que é ?ser homem?. Assim, o nosso desejo enquanto mulher, de fazer isso ou não, também é relacionado através do que é o desejo para os homens. Então até que ponto dentro do funk, mesmo as mulheres podendo ter a liberdade de dizer que a ?b* dela?, significa de verdade uma liberdade sexual, inclusive sobre o próprio corpo e o que ele representa? - questionou.
?As considerações apontam no sentido de que tais jovens (produtores e consumidores do funk enquanto produto cultural da sociedade de massas) reproduzem em seu discurso as mesmas relações de opressão e submissão em que a mulher é submetida ao longo do processo civilizatório, mesmo que revestido de uma pseudoliberdade aparente na exacerbação da sexualidade feminina e do "direito" das jovens em usufruir do prazer que seu corpo pode lhes proporcionar?, destaca uma parte do resumo do artigo.
- Para mim, a Valesca é uma das mulheres que lida mais com essa dupla realidade nas músicas dela. Para uma mulher negra e pobre da periferia poder afirmar que ?dá para quem quiser?, ou que hoje vai bancar e pode ostentar dinheiro, por exemplo, é um fato libertário, não podemos negar. A questão é até que ponto, na sociede em que vivemos, isso pode ser realmente libertador, ou é só mais uma reprodução de como a mulher é vista. Me interessa pensar o funk como uma manifestação cultural legítima desses meninos e meninas. O que tem de imadiato para a juventude? A sexualidade. E o funk fala sobre isso. Fui começar a entender as letras para entender este discurso, entender a realidade desses jovens para pensar os caminhos para os quais estamos levando eles, que tipo de formação estamos dando a estes jovens e quais as perspectivas que eles tem e podem vir a ter a partir disso.